quinta-feira, 4 de junho de 2015

Texto do Ofício das Leituras da Solenidade de Corpus Christi



Das Obras de Santo Tomás de Aquino, presbítero

Ó precioso e admirável banquete!
           
O unigênito Filho de Deus, querendo fazer-nos participantes da sua divindade, assumiu nossa natureza, para que, feito homem, dos homens fizesse deuses.

Assim, tudo quanto assumiu da nossa natureza humana, empregou-o para nossa salvação. Seu corpo, por exemplo, ele o ofereceu a Deus Pai como sacrifício no altar da cruz, para nossa reconciliação; seu sangue, ele o derramou ao mesmo tempo como preço do nosso resgate e purificação de todos os nossos pecados.

Mas, a fim de que permanecesse para sempre entre nós o memorial de tão imenso benefício, ele deixou aos fiéis, sob as aparências do pão e do vinho, o seu corpo como alimento e o seu sangue como bebida. Ó precioso e admirável banquete, fonte de salvação e repleto de toda suavidade! Que há de mais precioso que este banquete? Nele, já não é mais a carne de novilhos e cabritos que nos é dada a comer, como na antiga Lei, mas é o próprio Cristo, verdadeiro Deus, que se nos dá em alimento. Poderia haver algo de mais admirável que este sacramento?

De fato, nenhum outro sacramento é mais salutar do que este; nele os pecados são destruídos, crescem as virtudes e a alma é plenamente saciada de todos os dons espirituais.

É oferecido na Igreja pelos vivos e pelos mortos, para que aproveite a todos o que foi instituído para a salvação de todos.

Ninguém seria capaz de expressar a suavidade deste sacramento; nele se pode saborear a doçura espiritual em sua própria fonte; e torna-se presente a memória daquele imenso e inefável amor que Cristo demonstrou para conosco em sua Paixão.

Enfim, para que a imensidade deste amor ficasse mais profundamente gravada nos corações dos fiéis, Cristo instituiu este sacramento durante a última Ceia, quando, ao celebrar a Páscoa com seus discípulos, estava prestes a passar deste mundo para o Pai. A Eucaristia é o memorial perene da sua Paixão, o cumprimento perfeito das figuras da Antiga Aliança e o maior de todos os milagres que Cristo realizou. É ainda singular conforto que ele deixou para os que se entristecem com sua ausência.

segunda-feira, 1 de junho de 2015

Texto do Ofício das Leituras da Memória de São Justino, Mártir



Das Atas do martírio dos santos Justino e seus companheiros

Abracei a verdadeira doutrina dos cristãos           

Aqueles homens santos foram presos e conduzidos ao prefeito de Roma, chamado Rústico. Estando eles diante do tribunal, o prefeito Rústico disse a Justino: “Em primeiro lugar, manifesta tua fé nos deuses e obedece aos imperadores”. Justino respondeu: “Não podemos ser acusados nem presos, só pelo fato de obedecermos aos mandamentos de Jesus Cristo, nosso Salvador”.

Rústico indagou: “Que doutrinas professas?” E Justino: “Na verdade, procurei conhecer todas as doutrinas, mas acabei por abraçar a verdadeira doutrina dos cristãos, embora ela não seja aceita por aqueles que vivem no erro”.

O prefeito Rústico prosseguiu: “E tu aceitas esta doutrina, grande miserável?” Respondeu Justino: “Sim, pois a sigo como verdade absoluta”.

O prefeito indagou: “Que verdade é esta?” Justino explicou: “Adoramos o Deus dos cristãos, a quem consideramos como único criador, desde o princípio, artífice de toda a criação, das coisas visíveis e invisíveis: adoramos também o Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, que os profetas anunciaram vir para o gênero humano como mensageiro da salvação e mestre da boa doutrina. E eu, um simples homem, considero insignificante tudo o que estou dizendo para exprimir a sua infinita divindade, mas reconheço o valor das profecias que previamente anunciaram aquele que afirmei ser o Filho de Deus. Sei que eram inspirados por Deus os profetas que vaticinaram a sua vinda entre os homens”.

Rústico perguntou: “Então, tu és cristão?” Justino afirmou: “Sim, sou cristão”.

O prefeito disse a Justino: “Ouve,tu que és tido por sábio e julgas conhecer a verdadeira doutrina: se fores flagelado e decapitado, estás convencido de que subirás ao céu?” Disse Justino: “Espero entrar naquela morada, se tiver de sofrer o que dizes. Pois sei que para todos os que viverem santamente está reservada a recompensa de Deus até o fim do mundo inteiro”.

O prefeito Rústico continuou: “Então, tu supões que hás de subir ao céu para receber algum prêmio em retribuição”? Justino respondeu-lhe: “Não suponho, tenho a maior certeza”.

O prefeito Rústico declarou: “Basta, deixemos isso e vamos à questão que importa, da qual não podemos fugir e é urgente. Aproximai-vos e todos juntos sacrificai aos deuses”. Justino respondeu: “Ninguém de bom senso abandona a piedade para cair na impiedade”. O prefeito Rústico insistiu: “Se não fizerdes o que vos foi ordenado, sereis torturados sem compaixão”. Justino disse: “Desejamos e esperamos chegar à salvação através dos tormentos que sofrermos por amor de nosso Senhor Jesus Cristo. O sofrimento nos garante a salvação e nos dá confiança perante o tribunal de nosso Senhor e Salvador, que é universal e mais terrível que o teu”.

O mesmo também disseram os outros mártires: “Faze o que quiseres; nós somos cristãos e não sacrificaremos aos ídolos”.

O prefeito Rústico pronunciou então a sentença: “Os que não quiseram sacrificar aos deuses e obedecer ordem do imperador, depois de flagelados, sejam conduzidos para sofrer a pena capital, segundo a norma das leis”. Glorificando a Deus, os santos mártires saíram para o local determinado, onde foram decapitados e consumaram o martírio proclamando a fé no Salvador.

domingo, 31 de maio de 2015

Texto do Ofício das Leituras da Festa da Visitação de Nossa Senhora



Das Homilias de São Beda, o Venerável, presbítero

Maria engrandece o Senhor que age nela

  Minha alma engrandece o Senhor e exulta meu espírito em Deus, meu Salvador (Lc 1,46). Com estas palavras, Maria reconhece, em primeiro lugar, os dons que lhe foram especialmente concedidos; em seguida, enumera os benefícios universais com que Deus favorece continuamente o gênero humano.
    Engrandece o Senhor a alma daquele que consagra todos os sentimentos da sua vida interior ao louvor e ao serviço de Deus; e, pela observância dos mandamentos, revela pensar sempre no poder da majestade divina. Exulta em Deus, seu Salvador, o espírito daquele que se alegra apenas na lembrança de seu Criador, de quem espera a salvação eterna.
     Embora estas palavras se apliquem a todas as almas santas, adquirem contudo a mais plena ressonância ao serem proferidas pela santa Mãe de Deus. Ela, por singular privilégio, amava com perfeito amor espiritual aquele cuja concepção corporal em seu seio era a causa de sua alegria.
     Com toda razão pôde ela exultar em Jesus, seu Salvador, com júbilo singular, mais do que todos os outros santos, porque sabia que o autor da salvação eterna havia de nascer de sua carne por um nascimento temporal; e sendo uma só e mesma pessoa, havia de ser ao mesmo tempo seu Filho e seu Senhor.
      O Poderoso fez em mim maravilhas, e santo é o seu nome! (Lc 1,49). Maria nada atribui a seus méritos, mas reconhece toda a sua grandeza como dom daquele que, sendo por essência poderoso e grande, costuma transformar os seus fiéis,pequenos e fracos, em fortes e grandes.
     Logo acrescentou: E santo é o seu nome! Exorta assim os que a ouviam, ou melhor, ensinava a todos os que viessem a conhecer suas palavras, que pela fé em Deus e pela invocação do seu nome também eles poderiam participar da santidade divina e da verdadeira salvação. É o que diz o Profeta: Então, todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo (Jl 3,5). É precisamente este o nome a que Maria se refere ao dizer: Exulta meu espírito em Deus, meu Salvador.
      Por isso, se introduziu na liturgia da santa Igreja o costume belo e salutar, de cantarem todos, diariamente, este hino na salmodia vespertina. Assim, que o espírito dos fiéis, recordando frequentemente o mistério da encarnação do Senhor, se entregue com generosidade ao serviço divino e, lembrando-se constantemente dos exemplos da Mãe de Deus, se confirme na verdadeira santidade. E pareceu muito oportuno que isto se fizesse na hora das Vésperas, para que nossa mente fatigada e distraída ao longo do dia por pensamentos diversos, encontre o recolhimento e a paz de espírito ao aproximar-se o tempo do repouso.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Texto do Ofício das Leituras da Memória de São Felipe Neri



Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo

Alegrai-vos sempre no Senhor

O Apóstolo manda que nos alegremos, mas no Senhor, não no mundo. Pois afirma a Escritura: A amizade com o mundo é inimizade com Deus (Tg 4,4). Assim como um Homem não pode servir a dois senhores, da mesma forma ninguém pode alegrar-se ao mesmo tempo no mundo e no Senhor.

Vença, portanto, a alegria no Senhor, até que termine a alegria no mundo. Cresça sempre a alegria no Senhor; a alegria no mundo diminua até acabar totalmente. Não se quer dizer com isso que não devamos alegrar-nos, enquanto estamos neste mundo; mas que, mesmo vivendo nele, já nos alegremos no Senhor.

No entanto, pode alguém observar: “Eu estou no mundo; então, se me alegro, alegro-me onde estou”.E daí? Por estares no mundo, não estás no Senhor? Escuta o mesmo Apóstolo,
que falando aos atenienses, nos Atos dos Apóstolos, dizia a respeito de Deus e do Senhor, nosso Criador: Nele vivemos, nos movemos e existimos (At 17,28). Ora, quem está em toda parte, onde é que não está? Não foi para isto que fomos advertidos? O Senhor está próximo! Não vos inquieteis com coisa alguma (Fl 4,5-6).

Eis uma realidade admirável: aquele que subiu acima de todos os céus, está próximo dos que vivem na terra. Quem está tão longe e perto ao mesmo tempo, senão aquele que por misericórdia se tornou tão próximo de nós?

Na verdade, todo o gênero humano está representado naquele homem que jazia semimorto no caminho, abandonado pelos ladrões. Desprezaram-no, ao passar,o sacerdote o levita; mas o samaritano, que também passava por ali, aproximou-se para tratar dele e prestar-lhe socorro. O Imortal e Justo, embora estivesse longe de nós, mortais e pecadores, desceu até nós. Quem antes estava longe, quis ficar perto de nós.

Ele não nos trata como exigem nossas faltas (Sl 102,10), porque somos filhos. Como podemos provar isto? O Filho único morreu por nós para deixar de ser único. Aquele que morreu só, não quis ficar só. O Unigênito de Deus fez nascer muitos filhos de Deus. Comprou irmãos para si com seu sangue. Quis ser condenado para nos justificar; vendido, para nos resgatar; injuriado, para nos honrar; morto, para nos dar a vida.

Portanto, irmãos, alegrai-vos no Senhor (Fl 4,4) e não no mundo; isto é, alegrai-vos com a verdade, não com a iniqüidade; alegrai-vos na esperança da eternidade, não nas flores da vaidade. Alegrai-vos assim onde quer que estejais e em todo o tempo que viverdes neste mundo. O Senhor está próximo! Não vos inquieteis com coisa alguma.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Homilia para a Solenidade da Santíssima Trindade

“Pai, Filho e Espírito Santo”

Pe. Luiz Carlos de Oliveira, C.Ss.R.

 Oh Trindade, nós Vos louvamos

            Louvamos pelo que sois, Trindade santa; Louvamos pelo que fez e faz por nós; Louvamos pela comunhão que nos concedeis! Dizer um Deus em Três Pessoas Divinas é professar o dogma fundamental de nossa fé cristã. Este augusto mistério nos foi revelado por Jesus Cristo e constitui a fonte de vida para todos os que acolheram as palavras de Jesus. Para falar sobre a Santíssima Trindade só pode ser quem vive esse mistério com intensidade, como vemos em tantos santos. É o que nos falta. Impressionou-me ver um tio, que era um homem simples, clamar pela Santíssima Trindade do profundo de sua dor no momento de se despedir de sua filha falecida. Isso mostra que nela nos movemos e somos. O louvor a Deus é o alimento de nossa vida. Reconhecer Deus é sabedoria espiritual e maturidade humana, pois o ser humano só consegue ser completo quando é capaz de saber de onde veio e para onde vai. Negar a Deus é desconhecer a si mesmo e sua dimensão maior. Somos mais que um punhado de carne com inteligência. Deus Trindade não nos diminui, pelo contrário, nos faz completos. Os que O negam é porque O reconhecem como existente, do contrário não precisariam negá-Lo. O louvor não consiste em palavras, mas na aceitação deste diálogo vital entre a criatura e o Criador. Por isso rezamos no salmo: “Para Vós, até o silêncio é louvor” (Sl 65,1). Como podemos perder a força desse encontro que nos toma por inteiro? Se a vida pode ser pesada no dia a dia, temos certeza que sermos saciados por essa Presença que preenche a eternidade na densidade de realização e completa satisfação. Ao nos abrirmos ao diálogo em nosso dia temos o eterno que invade nosso cotidiano. Teremos o sentido e o significado de tudo o que fizermos e buscarmos.

Abba, Pai!

            Aprendemos de Jesus como amar o Pai, pois, unidos a Ele nós estamos em contínuo louvor e ação de graças. Quem reza em nós é o Espírito. O mesmo Espírito que unia Jesus ao Pai, nos une também a Ele nesse mesmo diálogo amoroso de tal modo que Rezamos em Cristo e Cristo reza em nós. Entramos no relacionamento de Jesus como Pai e podemos dizer com Ele Abba, que significa Papai. O relacionamento de Jesus com o Pai era de total carinho e abertura ao amor. Essa é a oração que nos ensina: Orar é contemplar amando. Só assim poderemos dizer: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. A liturgia de hoje nos ensina o mistério em sua teologia e nos ensina a pedagogia do amor que responde. Depois de ouvirmos tanto sobre o Deus vingativo e repressor que ameaça, ouvimos sobre o Deus misericórdia que quer que todos tenham vida e a tenham em abundância.  Responder ao amor é a adoração que a Trindade espera de nós.

Um Deus que se faz misericórdia     
       
Todos os atos de Deus em relação a nós são atos de amor misericordioso. A própria criação é a primeira expressão desse amor como rezamos no salmo 32. Moisés relata a grandeza da ação de Deus. Ele é o Deus que escolheu o povo dentre todos os povos. Salvou-o da escravidão. Servir e amar esse Deus é garantia de felicidade e vida longa. Não podemos imaginar um Deus diferente do Deus amor. Se seu mistério é profundo, mais profundo é seu amor libertador. Cristo ao vir a nós para nos acolher nessa Vida, nos garante se sofrermos com Ele, somos glorificados com Ele (Rm 8,17). Vivemos sempre voltados para a Trindade, pois toda celebração se inicia com o sinal da cruz, obra da Salvação realizada por Cristo em união com o Pai e o Espírito. A cruz domina o universo.
Leituras: Deuteronômio 4,32-34.39-40;Salmo 32;Romanos 8,14-17;Mateus 28,16-20

Ficha nº – Homilia da Solenidade da Santíssima Trindade (31.05.15)

1.       Celebrar a Santíssima Trindade é louvar o Deus Uno e Trino. É um mistério acessível a nós pelo amor. Reconhecer Deu sé uma sabedoria espiritual e maturidade humana. Deus não nos diminui, mas nos faz completos. O louvor é o acolhimento do diálogo vital entre criatura e Criador.
2.      Aprendemos com Jesus como amar o Pai. Quem reza em nós é o Espírito Santo que nos une ao amor do Filho pelo Pai e do Pai pelo Filho. A liturgia nos introduz na pedagogia do amor que responde. Deus é misericórdia e quer que todos tenham vida. Responder ao amor de Deus é a adoração.
3.      Todos os atos de Deus são atos de amor misericordioso. A criação, a escolha de um povo e a libertação do sofrimento do Egito são atos de misericórdia. Participando de seus sofrimentos, participamos de sua glória. Toda celebração se inicia com o sinal da cruz. 

Meu pai é rico. 

Santíssima Trindade! A fé cristã professa com verdade e fonte de vida que há um só Deus em três Pessoas distintas. Nós adoramos Deus Trindade. Quer dizer que reconhecemos que Dele dependemos e para Ele dirigimos nossa vida e como Ele vivemos. É uma Unidade na diversidade de missão. Onde age um, agem as três Pessoas unidas, pois em Deus não há separação nem anulação das Pessoas.
É um dogma de nossa fé. É um mistério insondável: pois podemos sempre conhecer melhor. É inefável: Nunca explicaremos o suficiente. É fonte do amor, razão de nosso amor e finalidade de nosso amor. É importante, nas missas, fazer bem a oração do Creio em Deus Pai. É nossa profissão de fé
Todas as ações de Deus entre nós foram de salvação e libertação. Deus sempre toma a iniciativa no amor que tem por nós.
Que Deus há tão grande que tenha se manifestado com tantos sinais em favor do povo? Guarda suas leis e será feliz. Esse Deus nos convida a ter um relacionamento de filhinhos queridos, chamando-o de Abba! Paizinho. O Espírito nos põe em relacionamento com a Trindade. Jesus nos manda levar a todos esse anúncio e fazer discípulos seus todos os povos.
Esse Pai tem todas as riquezas. Por que passar tanta fome de tudo no mundo?

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Liturgia das Horas: oração de todo o Povo de Deus. Ideal ou realidade?


Manoel Gomes Filho*

Antecedentes judaicos

Indiscutivelmente a origem da Liturgia das Horas está no modo judaico de rezar. Os primeiros cristãos rezavam, embora com espírito e sentido novos, a partir dos modelos e tempos de oração vividos no judaísmo. Por isso não somente no que se refere ao Ofício Divino, mas também em tantos outros elementos de sua liturgia, os cristãos estão intimamente ligados à prática judaica. O papa Pio XI, consciente dessa relação, disse certa vez que “somos espiritualmente semitas”.[1]
          Segundo Hilario Suñer, “a oração cristã deve ser estudada à luz de seus antecedentes judaicos”.[2] Torna-se, desse modo, impraticável um estudo sério da Liturgia das Horas que não dê a devida relevância à oração judaica.
            Na liturgia do templo de Israel havia dois sacrifícios de instituição perpétua chamados Tamid. Esses sacrifícios eram celebrados pela manhã e pela tarde. Embora não pudessem estar presentes, os judeus se uniam a estes sacrifícios por meio de preces. “O povo de Israel orava duas vezes ao dia, unindo-se ao sacrifício Tamid de Jerusalém, ao amanhecer e ao entardecer”.[3]
            Além desses dois momentos, algumas fontes se referem a uma terceira oração rezada ao meio-dia. Essa, no entanto, “resulta historicamente menos comprovada que as da manhã e da tarde, pois não corresponde a nenhum dos sacrifícios perpétuos”.[4]
            Essa estrutura de oração (oração da manhã e oração da tarde) será a base sobre a qual o Ofício Divino em suas origens se erguerá. Há testemunhos neotestamentários (At 2,46; 3,11; 5,12) de que os apóstolos continuaram por algum tempo frequentando o templo, fazendo ali suas orações e pregando o Evangelho de Cristo.
            A partir desses elementos, Alberto Beckhäuser afirma que “o ritmo da oração diária da Igreja, denominada Liturgia das Horas, tem seus antecedentes na experiência religiosa do povo de Israel, com forte expressão pascal”.[5]

Origens e desenvolvimento do Ofício

            Desde muito cedo na história da Igreja houve uma organização no que se refere aos tempos da oração. As horas utilizadas pelos judeus, como foi visto anteriormente, foram tidas pela Igreja antiga como momentos privilegiados para a oração. Para Neunheuser, “apesar de uma certa flutuação, podemos dizer que se conheciam no século I d.C. duas ou talvez três horas fixas de oração: pela manhã, à tarde e ao meio-dia”.[6]
           São conhecidos por meio de alguns textos bíblicos os momentos em que os cristãos rezavam: a descida do Espírito Santo na hora terça, a subida de Pedro ao quarto superior para rezar a hora sexta, a comunidade de Jerusalém em vigília à noite, quando Pedro é tirado do cárcere, e tantos outros. Em relação ao conteúdo, parece que desde cedo a comunidade substituiu o Shemá pelo Abbá. As variações presentes nos sinóticos, quando traduzem o Shemá, segundo Joachim Jeremias,[7] indicam algo nesse sentido.
        Nos primeiros séculos não existe ainda uma organização fixa dos elementos que formam o Ofício. Isso se dará somente depois da Paz de Constantino. A Didaqué fala em três momentos de oração, tendo o Pai-nosso como conteúdo. Ainda no primeiro século, Clemente de Roma fala de “tempos sagrados” e sua importância para a vida de oração. Hipólito de Roma, em sua Traditio Apostolica, fala de sete momentos de oração, prática talvez restrita à sua comunidade cismática. Tertuliano diz que não existe nenhuma prescrição quanto aos momentos em que se deve rezar, mas apenas que se reze sempre. Mesmo assim, ele fala de “horas legítimas” que seriam as Laudes a as Vésperas.
           Pode-se afirmar, portanto, que desde a era apostólica havia o costume de orar três vezes ao dia, com especial destaque para Laudes e Vésperas.
         Não há muitos elementos para determinar se essas orações eram feitas comunitariamente, ou quais delas teriam essa modalidade. Sabe-se, no entanto, que todos eram chamados a essa prática.
Somente com a organização do Ofício torna-se possível ter isso claro. Segundo Beckhäuser, “a partir do século IV, (...), vão-se formando duas tradições bem definidas de oração comunitária da Igreja: o ofício da igreja catedral e o ofício monástico”.[8]
O ofício da catedral seguia o cálculo do tempo dos judeus, ou seja, a experiência pascal diária. Tratava-se de um ofício simples, com a participação de toda a comunidade: bispo, presbíteros, eremitas, leigos etc. A oração da manhã e a da tarde eram os dois momentos mais importantes.
            Os monges, influenciados pelas palavras do Senhor sobre a necessidade de “orar sempre, sem nunca deixar de fazê-lo” (Lc 18,1), organizaram seu ofício de acordo com o modo romano de calcular o tempo. Surgiu, assim, o ofício monástico. Em certos ambientes monásticos, devia-se rezar a cada hora do dia. Depois, serão acrescentadas neste ofício a hora Prima e as Completas.
            Por diversos motivos, o ofício catedral entrou em decadência. Com isso a forma monástica do ofício se espalhou por toda a Igreja, tornando-se a forma oficial de oração. Essa mudança, no entanto, trouxe consequências negativas: “com sua carga monástica, (...), essa forma de oração se limitou praticamente às ordens religiosas e ao clero, deixando o povo distante, com suas devoções”.[9]
            A partir dessa época, cada vez mais os fiéis leigos foram se afastando da Liturgia das Horas. Os clérigos e monges eram encarregados de rezar por todos e o Ofício Divino passa a ser entendido como obrigação e especialidade de padres e religiosos. Pensamento que ainda persiste em muitos ambientes.
            Segundo P. Salmon, “procurar-se-ia em vão uma decisão formal da autoridade que desse força de lei a esta evolução; esta resultou espontaneamente da obrigação que os clérigos de cada igreja tinham de participar na oração das horas”.[10]
            Foi necessário esperar o Concílio Vaticano II para que houvesse uma grande reforma no que concerne à Liturgia das Horas. No período entre o que se costuma chamar “monastização” e o Vaticano II o Ofício Divino foi obrigação do clero e dos religiosos. Também nesse período o Ofício foi perdendo seu caráter comunitário e tornando-se, cada vez mais, oração privada. Os outros fiéis deveriam alimentar sua fé por meio de devoções como o Rosário, o Ângelus, a Via-sacra etc.

A Liturgia das Horas a partir do Vaticano II

            “Com o Concílio, os fiéis leigos são novamente convidados a beberem da Liturgia das Horas, fonte abundante de espiritualidade cristã”.[11] Essas palavras de Beckhäuser se referem ao número 100 da Constituição Sacrosanctum Concilium em que, depois de falar das diversas classes de fiéis obrigadas ao Ofício, declara: “Recomenda-se também aos leigos que recitem o Ofício Divino, quer juntamente com sacerdotes, quer reunidos entre si, e até cada um em particular”.[12]
            O Código de Direito Canônico, também depois de explicitar quem está obrigado ao Ofício, diz que “também os outros fiéis são vivamente convidados, de acordo com as circunstâncias, a participar da Liturgia das Horas”.[13] Elaborado tendo a eclesiologia do Vaticano II como fundamento, percebe-se a abertura do Código para que todo o povo de Deus reze a Liturgia das Horas.
            O Catecismo da Igreja Católica , publicado quase 30 anos depois da Sacrosanctum Concilium, traz uma afirmação de muita importância para o tema aqui tratado: “A Liturgia das Horas é destinada a tornar-se a oração de todo o povo de Deus”.[14] A recomendação dos padres conciliares encontra aqui seu pleno desenvolvimento. A Liturgia das Horas é oração litúrgica por ser a oração de toda a Igreja: leigos, consagrados e ministros ordenados.
           
Considerações finais

         Embora resumidamente, foi apresentado um percurso histórico da Liturgia das horas que tornou possível perceber como foi se formando essa oração e quais as suas características iniciais. Surge inspirada no modo judaico de rezar, tem como característica a santificação do tempo, é rezada por todos os fiéis, individual ou comunitariamente, sendo, de fato, oração de todo o povo de Deus.
       Viu-se também como em determinado momento essa oração tornou-se “propriedade” dos clérigos e religiosos e como a  Igreja, por meio do Concílio Vaticano II e textos posteriores, busca “devolver” essa oração a todo o povo de Deus.
            Já existem algumas iniciativas (periódico, aplicativo, site) que buscam popularizar a Liturgia das Horas, mas muito ainda precisa ser feito.
            Os ministros e pastores devem incentivar a oração das horas por parte dos leigos e orientá-los para que a compreendam e rezem frutuosamente. É necessário compreender que o povo de Deus necessita de alimento sólido e que a Liturgia das Horas tem muito a contribuir no processo de amadurecimento da fé de cada fiel. Que ninguém seja privado da possibilidade de unir-se à Igreja para elevar a Deus o louvor que Cristo introduziu na terra.


* Seminarista paulino, estudante de Teologia na Faculdade de São Bento em São Paulo.


[1] Pio XI, Alocução aos peregrinos da Bélgica, 6 de setembro de 1938.
[2] SUÑER, Hilario M. Raguer, La nueva liturgia de las horas: introducción histórica, doctrinal y practica al ofício divino, Bilbao: Mensajero, 1972, p. 15.
[3] CANALS, J. M., A oração na Bíblia, em BOROBIO, D. (org.), A celebração na Igreja, vol. 3, ritmos e tempos da celebração, São Paulo: Loyola, 2000, p. 277.
[4] SUÑER, op. cit., p. 19.
[5] BECKHÄUSER, A., A celebração do mistério nas horas do dia, em CELAM, Manual de Liturgia IV, A celebração do mistério pascal, São Paulo, Paulus, 2007, p. 113.
[6] NEUNHEUSER, B., História da liturgia através das épocas culturais, São Paulo: Loyola, 2007.
[7] JEREMIAS, J., El mensaje central del Nuevo Testamento, col. “Estela”, n. 38, Salamanca, Sígueme, 1966, cap. I: “Abba”, em SUÑER, op. cit., p. 32.
[8] BECKHÄUSER, op. cit., p. 115.
[9] Idem, p. 117.
[10] SALMON, P., A oração das horas, em MARTIMORT, A.G., A Igreja em oração: introdução à liturgia, Mosteiro de Singeverga e Desclée e cia: Ora e Labora, 1965, p. 919.
[11] BECKHÄUSER, A., Sacrosanctum Concilium: texto e comentário, São Paulo: Paulinas, 2012, p. 123.
[12] SC 100.
[13] Código de Direito Canônico, cân. 1174, § 2, São Paulo, Loyola: 2001, p. 296.
[14] Catecismo da Igreja Católica, n. 1175, São Paulo: Loyola, 1999, p. 331.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Homilia para a Solenidade de Pentecostes

 “Creio no Espírito Santo”

Pe. Luiz Carlos de Oliveira, C.Ss.R.

Santificais a Igreja inteira

            Na festa de Pentecostes a obra redentora de Jesus chega a seu momento máximo para nossa salvação. Na consumação dos tempos a redenção chegará a seu termo, quando o Cristo entregará o Reino a Deus, seu Pai (1Cor 15,24). Em Pentecostes completa-se a missão do Filho que disse: “Se eu não for, o Paráclito não virá” (Jo 16,7). Agora é o tempo do Espírito. Ele leva a redenção a seu efeito em nossos corações e nos ensina toda a verdade: “Quando vier o Espírito da Verdade, Ele vos conduzirá à verdade plena” (13). Em Pentecostes, sua missão, unida à Ressurreição do Senhor, destina-se a todos os povos. O Evangelho pode ser compreendido e amado por todos. Essa verdade está expressa nas pessoas de povos tão diferentes presentes ao acontecimento. Esses povos indicam todas as direções da terra. Não se pensa mais na exclusividade de um povo ou de um grupo religioso. A Igreja deve se cuidar mais para ver onde age o Espírito do que dar regras a sua ação. Não podemos engessar a ação do Espírito num movimento ou em uma teologia. Ela está aberta para que Ele nos manifeste toda a verdade, segundo a promessa de Jesus (Oração sobre as oferendas). Nas orações da liturgia do dia de Pentecostes reconhecemos esta verdade rezando ao Pai: “Ó Deus que, pelo mistério da festa de hoje, santificais vossa Igreja inteira em todos os povos e nações” (oração). A celebração é santificação da Igreja.  Por isso, rezamos a Deus que derrame sobre o mundo os dons do Espírito e realize no coração dos fiéis as maravilhas operadas no início da pregação do Evangelho (oração). As maravilhas não se restringem ao fenômeno das línguas, mas ao anúncio do Evangelho a todos com igualdade como vemos na celebração dos santos mistérios nas línguas locais. Todos são convocados.

Dons do Espírito

            O Espírito nos dá preciosos dons que devem ser desenvolvidos como um serviço a todo Corpo de Cristo, como nos relata a segunda leitura (1Cor 12,3b-712-13). Reconhecer a ação do Espírito e louvá-Lo é fazer frutificar os dons que nos deu. É um chamamento a abrir espaços ao crescimento e promoção dos dons de cada um. Nem todos têm os mesmos dons. Na verdade o dom é de todos, pois fazem parte do Corpo de Cristo. São um presente a todo Corpo, a Igreja. Há também a necessidade de conhecer os próprios dons e trabalhar com eles para o crescimento de todo o Corpo de Cristo. Estes dons se encontram também fora do corpo social da Igreja. Também eles devem ser discernidos e reconhecidos. Não podemos reprimir o fogo do Espírito nem usar de seu fogo para nosso egoísmo e orgulho. O Espírito age onde quer e como quer.

Vinde, Espírito Santo!

            O Espírito Santo estava presente na vida de Jesus e O conduzia no cumprimento de sua missão (Mt 4,1). Agora conduz a Igreja no acolhimento e participação dessa missão. Por isso pedimos o Espírito: “Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e renovareis a face da terra”. Cometemos um grande pecado contra o Espírito quando desconhecemos sua ação, como nos diz Jesus: “Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem nesse mundo, nem no vindouro” (Mt 12,32). Significa fechar-se ao Espírito Santo. Se nos fecharmos a Ele, não há possibilidade de acontecer sua ação. Na Eucaristia temos a invocação do Espírito Santo sobre o pão e o vinho e sobre os fiéis para que sejam Corpo de Cristo. Todos recebem o Espírito Santo. Esse é nosso Pentecostes de cada dia.

Leituras: Atos 2,1-11; Salmo 103; (1Coríntios 12,3b-712-13); João 20,19-23

Ficha nº 1442 – Homilia de Pentecostes (24.05.15)
 
1.  A obra da redenção de Jesus culmina na Vinda do Espírito Santo. Agora é o tempo do Espírito. Ele leva a redenção a efeito nos corações e ensina toda a Verdade. O Espírito é destinado a todos os povos. A Igreja não pode bloquear a ação do Espírito. A celebração é a santificação de toda a Igreja. Renovar Pentecostes é ter novo ardor missionário. 

2. O Espírito nos dá preciosos dons que devem ser desenvolvidos como um serviço a todo o Corpo de Cristo. Reconhecer a ação do Espírito é fazer frutificar os dons que nos deu. Todos têm dons. Compete a todos dar espaço para o crescimento. Os dons são para todo o Corpo de Cristo. Não podemos reprimir o Espírito que está em nós, mas discerni-Lo na caridade.

3. O Espírito estava presente na vida de Jesus e O conduzia no cumprimento de sua missão. Agora conduz a Igreja no acolhimento e participação dessa missão. Nós pedimos que o Espírito venha sempre sobre nós. Fechar-se à ação do Espírito é o pecado sem perdão. Em cada missa recebemos o Espírito Santo.

 A língua do amor é comprida

            A maravilha de Pentecostes não é acontecimento do passado, mas sua presença no meio de nós, pois pedimos na oração que “realize agora no coração dos fiéis as maravilhas operadas no início da pregação do Evangelho”. Não há diferença na ordem da graça no Pentecostes dos Apóstolos e o Pentecostes de hoje.
Pena que alguns só pensem na beleza da teofania, das línguas e dos milagres. A beleza está na força do Evangelho que entra no mundo. As regiões, de onde provinham os peregrinos que acorreram no dia, representam geograficamente todas as direções do mundo.
A riqueza da graça - presente no mistério celebrado - é a presença de Jesus que dá o Espírito para a reconciliação. Esta foi a missão que deu aos apóstolos e continua dando a nós. O perdão dos pecados vai além do sacramento da penitência individual e atinge a todos. O Espírito Santo foi dado a todo o universo. Não é propriedade de ninguém e ninguém pode dominá-Lo.
Para viver intensamente a presença do Espírito, nós O recebemos como um Dom que distribui seus dons. A força do Espírito em nós se manifesta nos dons que colocamos a serviço de todos.


quinta-feira, 14 de maio de 2015

Texto do Ofício das Leituras da Festa (comemoração) de São Matias



Das Homilias sobre os Atos dos Apóstolos, de São João Crisóstomo, bispo

Mostra-nos, Senhor, quem escolheste

        Naqueles dias, Pedro levantou-se no meio dos irmãos e disse (At 1,15). Pedro, a quem Cristo tinha confiado o rebanho, movido pelo fervor do seu zelo e porque era o primeiro do grupo apostólico, foi o primeiro a tomar a palavra: Irmãos, é preciso escolher dentre nós (cf. At 1,22). Ouve a opinião de todos, a fim de que o escolhido seja bem aceito, evitando a inveja que poderia surgir. Pois, estas coisas, com frequência, são origem de grandes males.
        Mas Pedro não tinha autoridade para escolher por si só? É claro que tinha.Mas absteve-se, para não demonstrar favoritismo. Além disso, ainda não tinha recebido o Espírito Santo. Então eles apresentaram dois homens: José, chamado Barsabás, que tinha o apelido de Justo, e Matias (At 1,23). Não foi Pedro que os apresentou, mas todos. O que ele fez foi aconselhar esta eleição, mostrando que a iniciativa não era sua, mas fora anteriormente anunciada pela profecia. Sua intervenção nesse caso foi interpretar a profecia e não impor um preceito.
        E continua: É preciso dentre os homens que nos acompanharam (cf. At 1,21-22). Repara como se empenha em que tenham sido testemunhas oculares; embora o Espírito Santo devesse ainda vir sobre eles, dá a isso grande importância.
        Dentre os homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor Jesus vivia no meio de nós, a começar pelo batismo de João (At 1,21-22). Refere-se àqueles que conviveram com Jesus, e não aos que eram apenas discípulos.De fato, eram muitos os que o seguiam desde o princípio. Vê como diz o evangelho: Era um dos dois que ouviram as palavras de João e seguiram Jesus (Jo 1,40). Durante todo o tempo em que o Senhor Jesus vivia no meio de nós, a começar pelo batismo de João. Com razão assinala este ponto de partida, já que ninguém conhecia por experiência o que antes se passara, mas foram ensinados pelo Espírito Santo.
        Até ao dia em que foi elevado ao céu. Agora, é preciso que um deles se junte a nós para ser testemunha da sua ressurreição (At 1,22). Não disse: “testemunha de tudo o mais”, porém, testemunha de sua ressurreição. Na verdade, seria mais digno de fé quem pudesse testemunhar: “Aquele que vimos comer e beber e que foi crucificado, foi esse que ressuscitou”. Não interessava ser testemunha do tempo anterior nem do seguinte nem dos milagres, mas simplesmente da ressurreição. Porque todos os outros fatos eram manifestos e públicos; só a ressurreição tinha acontecido secretamente e só eles a conheciam.
        E rezaram juntos, dizendo: Senhor, tu conheces o coração de todos. Mostra-nos (At 1,24). Tu, nós não. Com acerto o invocam como aquele que conhece os corações, pois a eleição deveria ser feita por ele e não por mais ninguém. Assim falavam com toda a confiança, porque a eleição era absolutamente necessária. Não disseram: “Escolhe”, mas: Mostra-nos quem escolheste (At 1,24). Bem sabiam que tudo está predestinado por Deus. Então tiraram a sorte entre os dois (At 1,26). Ainda não se julgavam dignos de fazer por si mesmos a eleição; por isso, desejaram ser esclarecidos por algum sinal.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Homilia do Domingo da Ascensão do Senhor

“E subiu ao Céu”

Pe. Luiz Carlos de Oliveira, C.Ss.R.

Se Eu não for, o Espírito não virá

            A festa da Ascensão de Jesus ao Céu está sem a devida consideração, mas faz parte do Mistério Pascal de Cristo. Durante quarenta dias, depois da Ressurreição, Jesus passou junto aos discípulos aparecendo-lhes muitas vezes, instruindo-os sobre o Reino de Deus (At 1,3). Depois foi levado ao Céu. Uma nuvem O cobriu. Dois homens vestidos de branco disseram: Por que estais a olhar para o Céu. Ele virá do mesmo modo que vistes subir (At 1,10-11). Está clara aqui a missão dos apóstolos: Agora é tempo de levar o testemunho a todos da terra. É o tempo do Espírito.  Ele dissera: “Se eu não for, o Espírito Santo não virá a vós” (Jo 16,7). A primeira missão do Espírito é fazer conhecer o Cristo na Glória do Pai e nossa condição de redimidos. Não basta dizer que fomos salvos. Os apóstolos, em suas pregações ao povo salientavam que o Cristo, que fora crucificado, ressuscitara e fora exaltado à direita de Deus, no sentido de pleno poder de sua Divindade, constituído Cristo e Senhor. Proclamamos no prefácio: “Tornou-se o mediador entre vós, Deus, nosso Pai, e a humanidade redimida, juiz do mundo e senhor do universo”. Paulo diz ainda: “Ele pôs tudo sob seus pés e fez Dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja, que é seu corpo, a plenitude Daquele que possui a plenitude universal” (Ef 1,22-23). Para Ele se encaminha todo o universo. A plenitude existirá quando Deus em Cristo recapitular todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra (Ef 1,10). A missão de Cristo Glorificado é continuar a oferecer-se à humanidade e ser nosso eterno intercessor (3º Prefácio pascal). Ele envia o Espírito para realizar a redenção em nossos corações. Os apóstolos recebem a missão de anunciar o evangelho a toda criatura... Os discípulos saíram e pregaram por toda parte. O Senhor confirmava suas palavras (Mc 16,15.20).

Espírito de sabedoria

            Além de confirmar na fé no Senhor glorificado, Paulo nos faz conhecer a grandeza da vida cristã. É nessa que fundamos nossa esperança. Não estamos ausentes da Glorificação do Ressuscitado. Paulo reza por nós para que tenhamos sabedoria de conhecer Jesus. O conhecimento de Jesus é fundamental para a vida Cristã. Possamos dizer como São Paulo: “Sei em quem coloquei minha fé” (2Tm 1,12). A ação do Espírito de Cristo em nós abre nosso coração à sua luz. Nela podemos saber qual é a esperança que seu chamamento nos dá. Abre-nos a nossa dimensão de futuro. Nosso futuro está em Cristo Glorificado. Nele percebemos a herança que nos está reservada.  Unidos a Cristo temos a nosso dispor as riquezas de Deus e seu poder a nosso favor. A Ascensão nos introduz na dimensão de vida eterna. Fazemos parte de seu corpo que é a Igreja. As riquezas da graça nos estimulam a viver mais intensamente a fé que professamos e o Espírito Santo que nos conduz.

Nossa vitória

Como somos ainda peregrinos tendo todos esses bens na promessa e não os tendo ainda em mãos, suplicamos que um dia participemos definitivamente com Cristo desses dons.  Nas orações da missa confirmamos nossa fé em fazer parte do corpo de Cristo e um dia participar de sua Glória (oração). Conscientes de nossa condição de cidadãos do Céu por nossa união a Cristo, pedimos que nossos corações se voltem para o alto onde já está nossa humanidade (Pós Comunhão). Na Ascensão, Jesus não se afastou de nossa humanidade, mas dá-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade (prefácio). Essa rica liturgia da Ascensão tem o sabor da Páscoa eterna à qual somos chamados desde nosso batismo.

Leituras: Atos 1,1-11; Salmo 46; Efésios 1,17-32; Marcos 16,15-20.

Ficha nº 1440 – Homilia da Ascensão do Senhor (17.05.15)

1.      A festa da Ascensão é esquecida. Faz parte do Mistério Cristo. A missão dos discípulos é aqui na terra. É tempo de levar o testemunho a todos. É o tempo do Espírito. Ele nos faz conhecer o Cristo Glorificado que nos envia o Espírito.

2.      Conhecendo Jesus, conhecemos também a riqueza que nos está reservada. Estamos abertos a uma dimensão de futuro onde temos uma preciosa herança. Temos o poder de Deus e as riquezas de Deus a nosso favor.

3.      Somos peregrinos tendo todos esses bens, mas não em nossas mãos. Suplicamos poder participar definitivamente com Cristo desses bens. Queremos os corações voltados para o alto onde já está nossa humanidade.


Cavando o Céu

            Para encontrar tesouros cavamos a terra. Para encontrar a riqueza da graça de Deus que nos prepara, cavamos o Céu. Quando Jesus é o tesouro de nossas vidas, encontramos tesouros por onde passamos. Tesouro atrai tesouro.
            Jesus quis fazer um jogo conosco: escondeu-Se no Céu para que pudéssemos ir lá para encontrá-Lo. Não precisamos procurar, pois, como estamos unidos a Ele por sua Encarnação, sabemos onde está. A Ascensão ao Céu já é nossa vitória. Membros de seu corpo, somos chamados a participar de sua glória.

Jesus subiu ao Céu, não para ficar longe de nossa humanidade, mas para dar-nos a certeza que nos conduzirá até lá.  Por isso Paulo nos convida a conhecer a esperança a que somos chamados, a riqueza da glória que está em nossa herança e o imenso poder que tem a nosso favor a partir de sua Ressurreição. Ele possui a plenitude universal. E estamos juntos com Ele.