Da narração do martírio dos santos
Mártires de Cartago
Chamados e escolhidos para a glória do
Senhor
Despontou o dia da vitória dos mártires.
Saíram do cárcere e entraram no anfiteatro, como se fossem para o céu, de rosto
radiante e sereno; e se algum tinha a fisionomia alterada, era de alegria e não
de medo.
Perpétua foi a primeira ser lançada aos
ares por uma vaca brava e caiu de costas. Levantou-se imediatamente e, vendo
Felicidade Caída por terra, aproximou-se, deu-lhe a mão e ergueu-a. Ficaram
ambas de pé. Saciada a crueldade do povo, foram reconduzidas à porta chamada
Sanavivária. Ali, Perpétua foi recebida por um catecúmeno chamado Rústico, que
permanecia sempre a seu lado. E como que despertando do sono (até esse momento
estivera em êxtase do espírito), começou a olhar ao redor e, para espanto de todos,
perguntou: “Quando é que seremos expostas àquela vaca?” Ao lhe responderem que
já tinha acontecido, não quis acreditar, e só se convenceu quando viu no corpo
e nas suas vestes a marca dos ferimentos recebidos. Depois, chamando para junto
de si seu irmão e aquele catecúmeno, disse-lhes: “Permanecei firmes na fé, e
amai-vos uns aos outros; não vos escandalizeis com os nossos sofrimentos”.
Por sua vez, Sáturo, em outra porta do
anfiteatro, animava o soldado Pudente com estas palavras: “Até este momento,
tal como te havia afirmado e predito, não fui ainda ferido por nenhuma fera.
Mas agora crê de todo o coração: vou avançar de novo para ali, e com uma só
dentada de leopardo morrerei”. E imediatamente, já no fim do espetáculo, foi
lançado a um leopardo; este, com uma só dentada lhe derramou tanto sangue, que
o povo, sem saber o que dizia, dando testemunho do seu segundo batismo,
aclamava: “Foste lavado, estás salvo! Foste lavado, estás salvo!” Realmente
estava salvo quem deste modo foi lavado.
Então Sáturo disse ao soldado Pudente: “Adeus!
Lembra-te da fé e de mim; que estas coisas não te perturbem, mas te confirmem. Pediu-lhe
depois o anel que trazia no dedo e, mergulhando-o na ferida, devolveu-o como
uma herança, deixando-lhe como penhor e lembrança do sangue. Em seguida, já
esgotado, foi deitado com os outros no lugar de costume para o golpe de
misericórdia.
O povo, no entanto, exigia em alta voz
que fossem levados para meio do
anfiteatro aqueles que iam receber o golpe final; pois queriam ver com os
próprios olhos, cúmplices do homicídio. A espada penetrar nos corpos das
vítimas. Os mártires levantaram-se espontaneamente e foram para onde o povo
queria; depois deram uns aos outros o ósculo santo, para coroarem o martírio
com este rito de paz. Todos receberam o golpe da espada, imóveis e em silêncio;
especialmente Sáturo, que fora o primeiro a subir e o primeiro a entregar a
alma. Até o último instante ia confortando Perpétua. E esta, que desejava ainda
experimentar maior dor, exultou a sentir o golpe em seus ossos, puxando ela
própria para sua garganta a mão indecisa do gladiador inexperiente.
Talvez esta mulher de tanto valor,
temida pelo espírito do mal, não tivesse podido ser morta de outra maneira
senão querendo ela própria.
Oh mártires cheios de força e ventura!
Verdadeiramente fostes chamados e escolhidos para a glória de nosso Senhor Jesus
Cristo.
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