A LITURGIA:
IMPORTÂNCIA DE UM TEMA QUE NADA DIZ AO “HOMEM MODERNO”
1. Paradoxos do homem de hoje
É sempre arriscado sintetizar em poucas palavras a
complexidade dos fenômenos humanos e sociais. Não obstante, para poder situar nossas
reflexões desta tarde, creio necessário oferecer um esboço rápido de como eu
vejo o “homem moderno”, entendendo por tal a nossos contemporâneos, homens e
mulheres, do leste e do oeste, do norte e do sul.
Alguém diria que é impossível, que as situações culturais
são tão diversas, mas isso, hoje, em meio a um mundo globalizado cultural e
informativamente, (como vocês sabem melhor que eu), é só aparentemente certo.
As diversidades ainda nos diferenciam, mas as
linhas mestras nos entrelaçam a nível mundial, tanto como a comum natureza
humana com seus impulsos e desejos compartilhados.
O ser humano hoje aparece profundamente inseguro e
desorientado. Perdeu, em grande medida, suas certezas e seus pontos de
referência. O relativismo e a liberdade, entendida como pura liberdade de
opção, têm estas inevitáveis consequências. Na medida em que estas tendências
foram tomando força não se substituiu os referênciais
institucionais, matrimônio e família, pátria, religião... simplesmente, se
perderam.
A esta “deriva cultural” deve-se acrescentar, creio eu, a
linha transversal do sofrimento. Há muita solidão, muita insatisfação, muita
desesperança. Nossa sociedade, nossos contemporâneos, estão transpassados, de
modo muito universal, por um profundo mal-estar ou “angústia”, um tema sobre o
qual hoje já se escreve pouco, mas que preocupou os pensadores existencialistas
do pós-guerra (segunda metade do século XX), e que se detecta como fenômeno
característico da humanidade contemporânea. Os desequilíbrios sociais, as guerras
e a presente crise vêm consolidar este mal.
Ante esta situação, (o ser humano não pode subsistir assim),
emergem com força na cultura contemporânea fenômenos paliativos, que querem
evitar os efeitos destes males sem a pretensão de tocar suas causas (que consideram
irreversíveis). Seja pela via do individualismo hedonista, seja pela via de um
inconformismo revolucionário, ou de um cientificismo prático, se quer conseguir
um “instalar-se comodamente no mundo, no imanente”. Não deixar de menos nem a verdade, nem
a continuidade histórica que oferecem as instituições. Não ter nenhum limite
para os próprios desejos, nem dos deuses, nem de leis humanas, nem da natureza.
Mas por trás de tudo isto tem que haver um porquê. As ideias
ilustradas, os ateísmos, teóricos ou práticos, sempre existiram, mas o fenômeno
que caracteriza a época presente, e que vem tomando força desde o final da
Grande Guerra (1914-1918), é do ateísmo de massas, que, hoje, começa a ser um
fenômeno planetário. Um ateísmo, evidentemente mais prático que teórico, mas de
omissão que de negação, muito unido ao fenômeno do agnosticismo. E estas massas
agnósticas são caldo de cultivo para uma
sociedade e uma cultura como a que agora está se impondo por todo o mundo. Uma
cultura que até chega a ver o religioso já não como dimensão natural do ser
humano (“homo religiosus”, ser religioso), mas como patologia social. As
religiões vão sendo consideradas pouco a pouco como perigo para a paz e a
convivência social. Tolera-se socialmente a fé pessoal, mas se limita e repudia
a religião enquanto fenômeno social. Como se pôde chegar a este estado de
opinião? Como, quando ainda altíssima porcentagem da população se atribui uma
confissão religiosa? Como, quando cada domingo em países como Espanha e
Portugal milhões de pessoas se reúnem para participar da Missa? Como, quando as
manifestações de piedade popular e os santuários de peregrinação acolhem
multidões em número crescente?
É certo que vivemos fenômenos contraditórios e que onde a
religiosidade popular é mais forte supõe um freio aos processos de secularismo
cultural. Mesmo que pese o fenômeno de viver cotidianamente como se Deus não existisse,
difunde-se inexoravelmente. Muitas expressões tradicionais de fé, que envolviam
a vida social e a cultura, vão sendo separadas de seu “sentido religioso” para
conservar somente um valor folclórico ou de tipismo.
Um fator, no meu modesto entender, está muito ligado a este
difuso “desafeto” com respeito a Deus e, em particular, ao Deus pessoal.
Trata-se da experiência coletiva dos grandes desastres bélicos, da violência
massiva contra inocentes e as consequências do emprego generalizado de armas
contra a população indefesa. Experiências terríveis às quais fomos submetidos,
em escala mundial, desde 1914-1918 e 1939-1945 e em seguida, a nível local, com
incessantes conflitos ou guerras civis por quase todo o planeta, até hoje. E
junto às guerras, as violências contra populações ou etnias inteiras por mãos
de regimes totalitários, ditaduras corruptas ou grupos terroristas ou paramilitares.
Males que brotam em grande medida desta civilização sem Deus, mas que provocam
o desespero de muitas vítimas e de não poucos expectadores objetivos até chegar
à rejeição de um Deus que permite tais coisas: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me
abandonaste?” (Sl 22,2; Mc 15,34).
Por outra parte, mesmo nas sociedades mais secularizadas e
nos ambientes culturais mais laicistas (o que representa fundamentalmente o
mundo mais desenvolvido economicamente e as sociedades de bem-estar hoje
feridas pela “crise”) se produzem fenômenos sociais de ritualização
(condutas-sinais) e de aparente transcendência (que buscam dar “sentido” ou
superar as próprias insatisfações e limites). Seja com o auge de práticas
exotéricas ou sub-religiosas (superstições), dos grandes espetáculos de massas
(esportivos ou musicais) ou do recurso a usos sociais que implicam o consumo de
substâncias como o álcool ou as outras drogas. E conforme se avança no
esquecimento de Deus e da religião se desenvolvem mais estes fenômenos em
escala social como novas religiões sem Deus. Mas parece que o ser humano
necessita de ritos, festas e experiências que superam sua pura percepção
empírica, tanto da realidade como de si mesmos.
Mas não quero terminar esta apresentação de conjunto de
nosso mundo contemporâneo e das problemáticas humanas que suscita sem declarar
minha valoração da mesma. Falei de um recurso coletivo a “práticas paliativas”,
quer dizer, de fato uma nova forma de “alienação”, pois ante a falta de
esperança e de sentido da vida, não se quer afrontar a questão de Deus, por
considera-la, a priori, superada; nem a da religião, por tê-la como perigosa
para a possibilidade de convivência pacífica ou para a salvaguarda da própria
liberdade individual. Mas as pessoas que vivem imersas nessa cultura sem Deus
não veem superadas suas ânsias e inquietudes, não encontram verdadeira
esperança em tais curas analgésicas. Nossa sociedade começa a padecer endêmicas
patologias espirituais e inclusive psíquicas. Se o puritanismo do século XIX,
especialmente nas classes sociais mais altas, gerou segundo a escola
psicanalítica patologias ligadas à repressão da sexualidade humana (seguindo S.
Freud), nossa sociedade as está gerando em torno da repressão do instinto
religioso do ser humano (vide o pensamento de Victor Frankl).
Muitos falam no Ocidente de um novo paganismo. O certo é que
existem entre nossa sociedade contemporânea (que em grande parte “apostatou” do
Cristianismo) e o Império romano do século I um grande paralelismo. A “religião
dos romanos” havia se convertido em um ritualismo, ligado a usos sociais e a
estruturas de poder, e as pessoas buscavam sair de sua insatisfação com as
celebrações orgiásticas ou os espetáculos circenses carentes de uma
“transcendência” ligada ao culto sagrado. Em tal contexto não faltavam minorias
que buscavam tal “sentido religioso” nas religiões orientais (os cultos de
“mistérios”). Muitos, ao chegar a Roma o cristianismo, o consideraram como
outro destes cultos por suas semelhanças externas em ritos e linguagem. Mas
logo o cristianismo mostrou sua originalidade, que o levou ao conflito com o
poder romano. E a diferença entre aqueles mistérios e o cristianismo estava na
natureza do culto, como frente à religião oficial do Império. Por isso, naquele
momento inicial, os cristãos protegeram sua liturgia com a lei do arcano (do
segredo).
O que é evidente é que no contexto cultural atual a questão
do culto cristão, da liturgia, está no “olho do furacão” do diálogo ou relações
entre a Igreja e a sociedade contemporânea. Assim o entendeu o Concílio
Vaticano II como o declara solenemente no primeiro número da Constituição
Sacrosanctum Concilium (SC) sobre a divina liturgia.
2. Na “definição” do
cristianismo, liturgia e revelação
Chega o momento de falar da liturgia, do culto a Deus próprio
dos cristãos, que para distinguir-se geralmente recebe este nome frente ao
genérico de “culto” comum a todas as religiões. E a originalidade cristã no
culto anda de mãos dadas com sua originalidade enquanto religião em si mesma. O
cristianismo começou da religião judaica e sua novidade se apoia no conceito de
revelação. Conceito que precede à existência mesma de um “livro” como expressão
ou custódia de seu conteúdo (Vide a Constituição Dei Verbum (DV) do Concílio
Vaticano II).
E na revelação o primeiro que emerge é um Deus que busca o
ser humano, que lhe oferece amor e amizade, e que toma a iniciativa em tais
relações. Este Deus se dá a conhecer interatuando com os seres humanos e sua
liberdade, nos limites do amor e da amizade, que não podem se impor pela força,
mas que abrem à doação total de si mesmo. A revelação gera assim uma religião
histórica onde o “mito” fica como mero estilo literário ou recurso linguístico
(linguagem sacra), mas são os acontecimentos e as pessoas (“amigos de Deus” e
profetas) os que contam verdadeiramente. Surge o conceito de história da
salvação e com ele a definição precisa do objeto de uma esperança certa, a
consumação de tal história.
Para o povo de Israel no culto
se encaminha à esperança e é memória de personagens e acontecimentos históricos
que, por seu encontro com Deus, por ser de Deus, têm uma perene atualidade à
qual os homens ascendem pelo mesmo rito sagrado. Israel reza e celebra fazendo
memória e sua fé é narração dessa mesma história e renovação desse mesmo encontro
pessoal e comunitário com Deus. O grande conceito é o memorial.
Os cristãos entram nesse processo histórico precisamente no
momento no qual, por meio de Jesus Cristo, Deus o leva à plenitude. Cristo é a
plenitude dos tempos. Sua pessoa e obra, seu acontecimento recapitula a
história da salvação. Cristo colma a esperança
de Israel e é a plenitude de sua religião, Cristo é o protagonista do novo
culto até a consumação dos tempos (ideias chaves da Carta aos Hebreus e do
Livro do Apocalipse no Novo Testamento). Por isso como sucedia primeiro entre
os judeus, assim também agora para os cristãos a fé é essencialmente encontro
pessoal e aceitação do Deus que se revela e revelando-se nos santifica, leva à
plenitude nossa criação-vocação. E este encontro pessoal tanto para judeus como
para cristãos se dá na celebração litúrgica do povo de Deus.
Seja para o povo de Israel, seja para os cristãos, a fé é um
acontecimento pessoal que se realiza e alcança na comunidade crente convocada
por Deus, que constantemente se dá a conhecer a ela operando na sua salvação.
Sinagoga (antes a assembleia de Deus) e Igreja são os
lugares da fé. Seguindo nosso discurso como cristãos diremos que a
Igreja (Mistério) é o lugar onde constantemente Deus chama, fala e atua na vida
dos homens. E a Igreja se manifesta especialmente quando se reúne para celebrar
os divinos mistérios.
A aceitação do amor/amizade de Deus, insistirei, é uma
decisão absolutamente pessoal e livre, segundo o modo de atuar de cada idade e
das qualidades e circunstâncias de cada um, mas é possibilitado, se objetiva e
amadurece na “Igreja em oração”. Esta Igreja é a una, santa, católica e
apostólica. É a do céu e da terra, mas se comunga com ela em cada comunidade
sacramental, especialmente eucarística. Em seguida se vive na Família cristã
(Igreja doméstica) e em outros âmbitos comunitários eclesiais de diversa
densidade sacramental, Diocese, Paróquia, Comunidade religiosa, Associação ou
Movimento,...
A compreensão da fé cristã caminha, como se vê, muito unida
à compreensão da Igreja como Mistério (Lumen Gentium 1-8) e da liturgia como
Obra de Deus (SC 5-10 e Catecismo da Igreja Católica, n. 1077-1112 “Liturgia
obra da Santíssima Trindade”). E a configuração da liturgia não se entende
senão ligada ao que foi a Divina Revelação.
Como Bento XVI expressou com genialidade em seu discurso ao
clero de Roma (quinta-feira, 14 de fevereiro de
2013): a ideia do Concílio de uma Igreja “de comunhão”, mais que interpretada
sociológica ou politicamente, se há de entender a partir da Eucaristia, isto é,
litúrgica e sacramentalmente, em perfeita continuidade como desenvolvimento e
clarificação do conceito de Igreja corpo místico e Igreja povo de Deus.
O conceito ritualista de liturgia fica superado totalmente
pelo Magistério em um processo clarificador cujos últimos passos estão na
Encíclica Mediator Dei (Pio XII), na Constituição Sacrosanctum
Concilium (Vaticano II) e no Catecismo da Igreja Católica (João Paulo II,
com uma grande contribuição do então cardeal Ratzinger). E sua consideração como
beleza se agora mais e mais na ordem dos transcendentes deixando de lado uma
pura consideração sensual/sensível.
O que acontece é que esta “verdade da liturgia”, este
genuíno “espírito do cristianismo” não deixaram de calar na consciência coletiva
dos católicos e menos, está claro, na dos observadores externos do fenômeno
cristão. Por isso a ideia chave que o Magistério papal vem difundindo desde o
Sínodo extraordinário de 1985 e, por parte do Beato João Paulo II desde Vicesimus
Quintus anus (VQA, Carta nos 25 anos da SC) é que substancialmente já está
feita a reforma litúrgica do Vaticano II, que se encontra nos novos livros
litúrgicos (sempre susceptíveis de atualizações e “retoques”). Mas a grande
tarefa ainda por fazer é a da renovação litúrgica, que é tarefa da “formação” e
do “aprofundamento espiritual”. Trata-se de que os bispos, sacerdotes e fiéis
todos conheçam a verdade da Liturgia e vivam-na mediante uma participação plena
e frutuosa na mesma. Este é o desafio da evangelização (na linha expressa por
Paulo VI em Evangelii Nuntiandi , de harmonia entre evangelizar e
sacramentar; que vale para a evangelização, para a missão e para a nova
evangelização) e este é o desafio da iniciação cristã. Aqui convergem as três
grandes preocupações do Concílio Vaticano II e do sentir da Igreja Universal
expresso principalmente nos Sínodos dos bispos, celebrados depois do Concílio,
e muito particularmente nas sucessivas exortações apostólicas de Paulo VI, João
Paulo II e Bento XVI depois dos mesmos.
A celebração litúrgica não pode reduzir-se pois a um
encontro formativo (ainda que seja), nem a uma oração pública (ainda que seja
sua forma mais completa e fundamento e escola de toda oração cristã), nem a um
momento festivo da comunidade (ainda que se expresse como a festa mais
autêntica dos crentes); a Liturgia é Deus conosco. É presença e comunicação do
amor que Deus é. É experiência humana transcendental (aqui está a realidade
fundante de toda mística cristã). Nela nasce e se desenvolve cada cristão e a própria Igreja, a partir da comunhão com/em Deus. É
penhor e antecipação da
vida eterna. Nela, como já ensinou com tanta agudeza santo Tomás de Aquino (cf.
CEC 1130, nota 48), passado e futuro se “comunicam” em maravilhosa atualidade
de presença para fundar a fé no acontecimento histórico, na consciência pessoal
atual e mostrar sua plenitude de graça e fim, que se faz real e universal
(aberta a todos) vocação à santidade (CEC 1130. 1136-1139; ler em relação com
LG 5, n. 39-42).
Quem deseja conhecer
verdadeiramente o cristianismo há de conhecer e se interessar por seu conceito
teológico de Liturgia, quem deseja provar o
genuíno espírito cristão ou viver o verdadeiro sentido dos ensinamentos
vertebrais do Concílio Vaticano II deverá entrar no ensinamento e vivência
eclesial da Liturgia.
3. Alguns traços do
cristianismo que afloram em sua liturgia
Sem pretender esgotar esta via de aproximação ao mistério
cristão a partir da Liturgia, se quisermos pôr em evidência alguns traços importantes
do cristianismo que ficam mais claros compreendendo e observando sua Liturgia,
partirei para isto da definição/descrição da Liturgia que oferecida pela SC em
seu número 7:
“Assim, pois, com razão se considera a liturgia como e
exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo em que, mediante sinais
sensíveis, significa-se e realiza-se, segundo o modo próprio de cada um, a
santificação do homem e, assim, o Corpo místico de Cristo, isto é, a cabeça e
seus membros, exerce o culto público”.
A) O exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo
Pode traduzir-se também como a atualização de seu Mistério
Pascal. O sacerdócio de Cristo é único e eterno. Começa no momento mesmo da
encarnação e é seu traço que o define. Na unidade de sua Pessoa divina (seu
“eu”) se associam, sem mescla nem separação, sua natureza divina, que o une ao
Pai e ao Espírito, e sua natureza humana, que o une a nós. Seu próprio ser é
reconciliador e comunional, é a declaração do
amor e do perdão de Deus em favor da “descendência de Adão”. Conhecer o
mistério de Cristo e de seu “sacerdócio” é conhecer o desígnio de Deus sobre a
humanidade e contemplar sua realização já culminada. Todo o conteúdo da fé
sintetiza-se aqui.
Não é em vão que os orientais chamam a celebração litúrgica
de teologia primeira (enquanto principal “depósito” dos conteúdos da fé e
primeira “apropriação” dos mesmos por parte dos crentes, no uso de suas
faculdades de contemplar, conhecer e refletir). A Liturgia se apresenta como o
crisol da tradição. Nela a fé da Igreja une Palavra de Deus, contribuições do
Magistério, ensinamentos dos padres, escritores eclesiásticos e teólogos, que
celebram e contemplam a Obra de Deus, no correr dos séculos. Não é de estranhar
como os pastores da Igreja, individual e colegialmente, no Oriente e no
Ocidente, expressaram sempre uma particular atenção e vigilância sobre a
Liturgia, e, na tradição católica, o papa se reservou uma peculiar tutela sobre
a mesma (como recordou a SC n. 22).
A vida e obra de Jesus de Nazaré é o desenrolar desse “mistério”,
até culminar em sua paixão, morte e glorificação, como mostram os evangelhos,
(particularmente o de são João) e se descobre ao longo de cada Ano Litúrgico
(ciclo temporal) e na celebração dos sacramentos e sacramentais. Seus
“mistérios” são os passos do dar-se a conhecer e tornar acessível seu
“Mistério”, e tudo isto é o que se “atualiza/exercita” nas ações litúrgicas da
Igreja.
Contudo, há um ponto chave em todo este discurso sobre o
“sacerdócio” de Cristo: a Encarnação. O ser humano não tem em “Adão” sua
referência principal. Adão é uma garantia de um projeto de Deus criador que visa
a Cristo. Cristo será pois o novo e verdadeiro Adão. A cristologia será pois a
peça chave da antropologia cristã e a salvação que Jesus Cristo traz, como
fruto de seu ser e fazer sacerdotais (Soteriologia), da chave da verdadeira
vocação e evolução humanas. Toda a primeira Encíclica do Beato papa João Paulo
II, Redemptor Hominis é uma magistral exposição destes princípios.
Cristo, e eu diria Cristo sacerdote, é a chave para descobrir a verdade do ser
humano e de sua esperança (cf. Bento XVI, Spe Salvi).
A humanidade de Cristo é a base da “sacramentalidade cristã”
e permite compreender o altíssimo valor que tem na tradição bíblica a natureza
humana e, em particular, o corpo humano. Uma visão que se reforça ao longo da
História da salvação e culmina com a Ressurreição de Jesus Cristo, fundamento
da fé na ressurreição da carne dos cristãos. O enfraquecimento desta fé entre
os crentes e o esquecimento na sociedade, com a crescente difusão de concepções
reencarnacionistas ou aniquiladoras, anuncia o ocaso do ser humano e de sua
dignidade, ligado a afastar-se da verdade revelada. A Liturgia se fundamenta no
fazer sacerdotal de Cristo mediante sua humanidade, mediante seu corpo (por
isso ligada a realidades históricas e culturais muito concretas, que estão
associadas à base da universalidade de seu valor).
Na Liturgia cada ser humano se encontra com Deus e com os
irmãos de um modo “sacramental”, por meio do “corpo”, no qual atua e se
manifesta a ação de Deus tornada possível por Jesus Cristo e por seu Espírito
Santo presente na Igreja. Em grande medida a ação litúrgica reintegra o ser humano
em sua rica realidade, corporal e espiritual, pessoal e social.
B) Mediante sinais sensíveis
Criação, Revelação e Liturgia põem em evidência o nexo entre
Deus e a Natureza e o papel de “Pontífice” (fazedor de pontes) que ao ser
humano corresponde no desígnio divino. Papel que, como vimos brevemente,
encontra seu cume no Sacerdócio de Jesus Cristo. A tradição bíblica liga a
vocação do ser humano à noção de natureza, podemos dizer do cosmos, como
paraíso. E esta visão recorre e encharca toda a História da Salvação com
momentos peculiarmente bonitos como se refletem no Cântico dos cânticos ou no
Livro do Apocalipse. O pecado significa a “expulsão” do paraíso, cada passo da
História da Salvação é um recuperar o paraíso, recuperar a harmonia divina
entre o ser humano e o mundo, entre criação e criador, no ser humano.
Toda a “pré-sacramentalidade” do caminho religioso de Israel
prepara a sacramentalidade cristã. Os sinais da Liturgia expressam a
reconciliação cósmica. A grande ecologia divina. A celebração litúrgica se
converte em uma grandiosa ópera, onde pelo sensível se chega ao amor do
invisível e no tempo se saboreia a eternidade. Todos os sentidos do ser humano,
janelas abertas ao mundo, se purificam e descobrem a consagração do grande
templo da criação. Tudo o que foi ocasião de idolatria, a partir do corpo, os
elementos da natureza e suas forças, se convertem em instrumentos que fazem
ressoar a glória de Deus, enquanto são instrumentos da santificação dos seres
humanos. Que distante da pobre visão nominalista de uma escolástica em
decadência ou do olhar luterano para a liturgia! A verdadeira festa dos
sentidos não está no frenesi do hedonismo ou dos cultos pagãos, mas no estalido
pascal do mistério da Liturgia.
Agora todo o passado dos arquétipos coletivos do
subconsciente, dos quais falou o psicólogo Jung, toda a linguagem dos mitos e
das religiões naturais, tão estudada por Mircea Elíade, encontra sua plenitude
em uma Palavra que se cumpre na história, em sinais que realizam o que
significam, em uma esperança que se experimenta já cumprida enquanto se avança
para a sua culminação.
Tudo isso tem muito a ver com a sã “mundanidade” do
catolicismo, entendida como seu amor apaixonado pela plenitude do ser humano,
por seu corpo e por suas obras, e também como amor apaixonado pela criação, que
é boa e que tem por vocação, como bem se mostra na Liturgia, ajudar ao ser
humano a ser bom, enquanto encontra nele sua plenitude (recordemos a frase do
prefácio da atual oração eucarística IV do Missal Romano: “...e por sua voz
todas as demais criaturas”, referida à voz cultual da Igreja, que no canto do
“Santo” se associa ao céu e também à criação inteira para louvar a Deus).
C) Pela santificação do homem
se oferece o culto público íntegro
A “glória de Deus é o homem vivente” afirmou santo Ireneu de
Lião, quer dizer, o que agrada e reconhece a grandeza de Deus é a santidade do
ser humano, sua plena manifestação como filho de Deus, o levar à conclusão o
que está contido em ser “imagem e semelhança de Deus”. A Liturgia contém e nela
se realiza este fazer o ser humano santo-filho de Deus. Na Liturgia se faz
presente o acontecimento que verdadeiramente muda a vida de cada ser humano e
da humanidade inteira. Por isso na Liturgia se dá a causa da felicidade e da
vida, oferecidas a todo ser humano. A Liturgia não pode pois senão revestir a
forma da festa, mas não de qualquer festa, da única e plena festa. Tal caráter
não brota dos costumes festivos, estes pelo contrário devem brotar da
experiência de conversão e de fé que é a base da participação litúrgica e da
realização festiva.
A festa litúrgica tem uma força tal que pode converter a
própria experiência da enfermidade grave em realidade salvífica (pensemos na
Unção dos enfermos) ou o drama do mal e do pecado em graça e perdão (como o
caso da confissão e reconciliação) ou a própria realidade dramática da morte em
esperança certa de vida eterna e de ressurreição (tal como se vive as exéquias
cristãs).
Sem “acontecimento” (entende-se favorável e de irradiação)
não pode haver festa. E a consistência do acontecimento manifesta-se na riqueza
expressiva e na duração da festa. A Páscoa, o Mistério de Cristo em sua
totalidade são o centro da história e deram lugar às mais ricas expressões
festivas da cultura humana que, ao longo dos séculos, seguem sendo celebradas
por toda a terra dia após dia.
Porque o acontecimento que é Jesus Cristo é tal que nos
cristãos estivemos e estamos sempre em festa. Claro que sendo isto humanamente,
por enquanto impossível, a festa se condensou hierarquicamente em momentos e
dias significativos, o que deu lugar ao Ano Litúrgico e à chamada Liturgia das
Horas. Creio que esta concepção da vida, talvez “pouco produtiva”
economicamente, marcou até pouco tempo os povos católicos (mais ainda ao
unir-se aos fatores geográficos e climáticos do mediterrâneo).
Na concepção cristã do tempo e da festa culmina a antiga
concepção romana de um ócio com dignidade, que correspondia a algo muito
distinto da vadiagem, mas também algo muito distante do economicismo
utilitarista e produtivista que hoje nos asfixia. O ócio com dignidade tem seu
parentesco no conceito do descanso operoso divino e na atitude contemplativa
dos sábios clássicos. Neste contexto o “negócio” aparece como um conceito
subordinado e até mesmo negativo, neg-ócio (não-ócio).
A concepção litúrgica do tempo bíblico proporcionou à nossa
cultura a semana com um dia singular de descanso, de festa, entre nós o Domingo
(festa primordial dos cristãos segundo a SC; sobre seu valor cf. a carta Dies Domini do Beato João Paulo II). E
junto a ela a presença “gratuita” das festas de Cristo, da Virgem ou dos
santos, festa fixas ou móveis que pertencem o
calendário cristão. O mundo moderno, e mais em tempos de crises, as vê como uma
ameaça. Até o Domingo se vê fortemente como dia universalmente festivo. Tudo
são exigências de um modelo de crescimento econômico “desenvolvimentista” que
promete os frutos do “bem-estar”, mas onde fica o ser humano? Que posto
corresponde ao bem comum neste modelo econômico? Já Bento XVI indicou seus
reparos ante tal modelo em sua mensagem passada na Jornada Mundial pela Paz (1º
de janeiro de 2013), seguindo o rastro de toda a Doutrina Social da Igreja e de
sua primeira encíclica Deus Caritas est.
O mundo pagão, como a maior parte das religiões naturais,
não possui um rito festivo semanal (e muito menos diário), as festas geralmente
se reduzem a um dia ou dias em determinado momento do ano. Muito disso fica,
mais ou menos cristianizado, em torno de algumas manifestações de religiosidade
popular. O mundo secularizado também busca alguns tempos de festa, necessita de
festas. Curiosos foram os esforços dos totalitarismos por um calendário secular
de festas depois do falido intento dos revolucionários franceses. Mas hoje, superadas
as ideologias, é o economicismo o que delineia um mundo onde pela primeira vez
a festa tende a “privatizar-se”, para não dificultar, mas favorecer o consumo e a produção, e a
festa se distancia mais do acontecimento e se vincula às expressões exteriores
da celebração e chega-se a propor, na falta do mesmo, a alucinação ou a ficção
como alternativa.
Não se impôs ainda tal modelo entre nós, mas vai tomando
força frente ao que resta de cultura cristã no Ocidente. Mas creio que valha a
pena estabelecer onde nos leva esta deriva economicista e laicista.
O mais terrível é, como esta mentalidade pôde “infectar” o
conceito cristão de participação litúrgica. São muito negativos os efeitos do
esquecimento do acontecimento (que é esquecimento das dimensões de fé e
conversão) na Liturgia, a favor das puras ações externas (ativismo ou, em
outros casos, ritualismo). O tédio, o desinteresse ante a Liturgia, não depende
tanto da dificuldade para compreender sua linguagem, ou da distância cultural
entre quem as formularam e quem hoje a celebra.
Essas coisas podem ser superadas com a adequada formação e adaptação. O grande
problema está em confundir sua “natureza”. Esquecer quem é seu “ator” principal
e não ter presente o “acontecimento”, que realmente se faz presente, com sua
transcendência para cada um e para a comunidade inteira. O problema é pois de
fé e de “orientação”. A Liturgia não é o algo a mais com respeito à vida cotidiana. É o sal
dessa vida. E se este “se torna insosso”...
Entrar na Liturgia, celebrar, é introduzir-se na dimensão
fundante da realidade, superando toda superficialidade ou rotina. Entrar na
celebração implica sempre uma iniciação que se atualiza e uma graça (a
celebração é um dom). Os átrios, os portões das igrejas querem nos recordar
(como ensina o Catecismo, n. 1186). A celebração se articula, por sua vez,
ritualmente, não se inventa, não se improvisa; o rito é um caminho já traçado,
mas cada pessoa e cada comunidade deverá fazê-lo pessoalmente. Essa
imutabilidade é um recurso pedagógico, não para instigar a rotina, mas para
deixar livres as potências para a acolhida atual da graça que é o
verdadeiramente sempre o novo da celebração. E o ritual é gradual, integra
diversos momentos e passos que, pouco a pouco, nos conduz ao cume da
celebração. Nem todos na celebração podem ser iguais ou ter o mesmo
significado.
As ações litúrgicas cristãs situam seu cume no momento do
encontro sacramental com Cristo, não se trata de uma simples noção, de uma
mensagem a transmitir, mas de um encontro interpessoal, de um encontro entre o
homem e Deus. Por isso não bastam os meios de comunicação para uma verdadeira
participação litúrgica, é necessário a presença ritual, o contato. E este
encontro pessoal não deixa nunca de ser uma teofania, ainda que Deus chegue a nós
mediante a Igreja e através dos modestos sinais sacramentais. Por isso a
celebração não pode perder de vista seu centro divino nem esquecer as
exigências antropológicas da verdadeira experiência sobrenatural. A Liturgia
precisa por isso, como de algo peculiar, do silêncio e das atitudes físicas e
mentais de adoração. Também nos sinais se manifesta a gradualidade do rito. Os
diversos livros litúrgicos cristãos, com a previsão de textos e gestos, vêm
servindo a todos estes requerimentos da
natureza da Liturgia. Sua história nas diversas famílias litúrgicas do Oriente
e do Ocidente merece sempre um cuidadoso estudo. E nelas
sempre se cuidou do espaço para expressar as dimensões do tremendo e
fascinante da realidade sagrada.
É verdade que Cristo já ganhou para Deus o universo inteiro.
Que o sagrado não se esconde em um nicho
(fano) enquanto o caos domina o mundo externo por inteiro (profano), mas que
tudo já é, em penhor, sagrado. Mas esta sacralidade está submetida, até a
parusia, a um ocultamento que vai desvelando-se paulatinamente. Enquanto isso o
cristão vive o sagrado sacramentalmente. Manifesta-se nos sinais e ritos
cristãos e manifestando-se avança para seu pleno desvelamento. Por isso agora o
sagrado não se opõe ao profano, é a revelação da verdade oculta do profano, a
manifestação de sua “vocação” e plenitude. Os cristãos com sua Liturgia e com
sua vida vão incluindo tudo no desígnio salvador de Deus e assim se opera o
verdadeiro progresso do ser humano da criação inteira. É o sentido da Liturgia
das Horas e das diversas Bênçãos, que evidenciam as consequências da Páscoa de
Cristo em todas as realidades do mundo e da vida e atividades humanas.
Tudo isso nos ajuda a compreender uma afirmação precisa e
fundamental do Concílio, quando diz na
SC, n. 10:
“a liturgia é o cume ao qual tende a ação da Igreja e, ao
mesmo tempo, a fonte de onde emana toda sua força... da liturgia, sobretudo da
Eucaristia, emana para nós, como de uma fonte, a graça e com a máxima eficácia
se obtém a santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus, a qual
tende todas as demais obras da Igreja como a seu fim”.
Completando assim o que se disse no número 7:
“[a celebração litúrgica]... é ação sagrada por excelência
cuja eficácia, com o mesmo título e o mesmo grau, não iguala nenhuma outra ação
da Igreja”.
Sendo que a participação na ação litúrgica requer uma
preparação prévia (SC 11 e 15-20), a ação encerra também, em si mesma, um
grande ensinamento (SC 33-36) e possui inclusive, face aos crentes de outras
religiões ou ante os não crentes, uma forte dimensão apologética: mostra a
genuína natureza da Igreja (SC 2), seu
Mistério e estrutura hierárquica (LG 26) e sua essencial missão evangelizadora
(CEC 1332, 849-851).
4. Perspectivas da Liturgia hoje
Quando nossa reflexão sobre a Liturgia vai se concluindo não
posso menos que me perguntar: e para onde caminha hoje a Liturgia da Igreja? O
Sínodo extraordinário de 1985 ofereceu duas orientações nesta matéria: a
primeira que a Igreja se esforçasse por recuperar em sua Liturgia o valor do
sagrado (a dimensão religiosa da Liturgia; o primado de Deus); em segundo lugar
que se cuidasse da catequese de tipo mistagógico. Aos 25 anos do Concílio João
Paulo II em VQA indicava duas linhas para a tarefa litúrgica da Igreja, um
grande empreendimento de formação e o desafio da adaptação e inculturação.
Nestes outros 25 anos transcorridos, e especialmente durante
o pontificado de Bento XVI e após seu motu próprio “Summorum pontificum”,
falou-se muito de reforma da reforma e inclusive de involução litúrgica (ou
restauracionismo). Mas tudo isto deve-se matizar muito, se formos à letra e
intenção das determinações do papa Ratzinger. Sua posição ficou clara em sua
obra litúrgica, publicada no primeiro volume editado de suas obras completas e
no magnífico discurso ao clero de Roma na quinta-feira 14 de fevereiro de 2013.
No motu próprio “Quaerit semper”, reformando a Congregação para o Culto Divino
e a Disciplina dos Sacramentos dizia também com claridade que queria que esta
se dedicasse, como a sua tarefa prioritária, a “promover a renovação litúrgica
segundo a Sacrosanctum Concilium”.
A Congregação quisera por isso suscitar uma nova aparição do movimento litúrgico que provocasse as
condições para uma grande empresa de formação em todos os níveis (bispos,
professores, sacerdotes e consagrados, fieis em geral, adultos, jovens e
crianças) e um forte desejo por cuidar do que se refere ao culto divino, sua
verdade, esplendor e a participação completa e frutuosa de todos no mesmo.
Assim como uma insistência na dignidade da celebração que se converta em
verdadeira ars celebrandi, que instigue em todos a genuína participação.
Participação que exige os oportunos níveis de adaptação e inculturação, que vão
desde a presença de algumas traduções em língua vernácula (totais ou parciais
da liturgia) a grandes mudanças como as do apêndice zairense ao Missal Romano
(salva a unidade substancial do Rito Romano: cf. SC 38), mas que sobretudo
requer o reconhecimento e aceitação, como vimos, da genuína natureza da
Liturgia e sua assunção como fator determinante da vida cristã.
Detrás de muitos defensores das “antigas formas” do culto
católico há não pouco de formalismo ou de esteticismo; detrás de muitos
apaixonados pela “nova liturgia” há não poucos que não consideram o valor da
tradição ou o sentido da Liturgia. Todos devemos nos encontrar, dentro das
legítimas sensibilidades espirituais ou teológicas, na verdade que a Igreja
professa sobre sua Liturgia tal e qual ensinou o Vaticano II na Sacrosanctum
Concilium ou como o faz o Catecismo da Igreja Católica, em segunda parte
dedicada à “Celebração do Mistério da Fé”.
Como indicamos, ao longo da presente exposição, fica claro
que no centro da ação da Igreja está a Liturgia, que o núcleo da dita Liturgia
é a celebração da Eucaristia e o momento culminante, envolto em adoração e
silêncio, de cada Eucaristia está na Oração Eucarística, com o relato da
instituição, a Consagração, e a comunhão. E hoje, no mundo inteiro, o movimento
que aglutina maior número de fiéis é precisamente o da adoração eucarística,
que nasce da celebração e participação, e prolonga a adoração e o silêncio de
acolhida, fundando na rocha, a vida cristã e sustentando toda evangelização e
caridade. Um movimento suscitado pelo Espírito Santo, que permitiu ao papa
Bento XVI falar de uma primavera eucarística na Igreja. Tais forças e
iniciativas terão que ser acompanhadas e tuteladas pelos pastores da Igreja,
para que não se corrompam e cheguem a produzir frutos esplêndidos.
A Igreja de Comunhão do Vaticano II produzirá seus esperados
frutos, entre perseguições e provas, como sempre foi, quando Igreja em oração e
adoração, Igreja que fecunda as sementes da comunhão e o dom divino no silêncio
da adoração e no louvor gozoso do culto. Como reflete maravilhosamente os
números 83-88 da SC, falando do Ofício Divino, a Igreja do Concílio é uma
Igreja Mistério, Igreja de santidade e de louvor e adoração a Deus, que assim
se faz instrumento de unidade e de paz entre os homens e testemunho de um amor
que comparte com todos, com sensibilidade e parresia (levando-lhe assim a
Palavra e os Sacramentos, o Dom de Deus em Cristo). É a Igreja que reflete com
acerto o livro dos Atos dos Apóstolos (2,42): “E perseveravam no ensinamento
dos apóstolos, na comunhão, na fração do pão e nas orações”. E esta Igreja,
longe de ser medrosa e estéril foi Igreja de caridade, evangelização e martírio.
E assim se repetiu ao longo da história. Aqui estão as chaves da regeneração e
da evangelização, aqui o segredo da vitalidade das comunidades, de sua
capacidade de fazer novos cristãos e de suscitar em seu seio vocações aos
diversos estados de vida.
Como confessa o primeiro número da Sacrosanctum Concilium,
primeiro documento do Vaticano II, seu cuidado e promoção, são a chave de toda
renovação eclesial, e ao mesmo tempo, o princípio da atuação de uma Igreja que
quer amar e santificar o mundo, hoje.