domingo, 31 de maio de 2015

Texto do Ofício das Leituras da Festa da Visitação de Nossa Senhora



Das Homilias de São Beda, o Venerável, presbítero

Maria engrandece o Senhor que age nela

  Minha alma engrandece o Senhor e exulta meu espírito em Deus, meu Salvador (Lc 1,46). Com estas palavras, Maria reconhece, em primeiro lugar, os dons que lhe foram especialmente concedidos; em seguida, enumera os benefícios universais com que Deus favorece continuamente o gênero humano.
    Engrandece o Senhor a alma daquele que consagra todos os sentimentos da sua vida interior ao louvor e ao serviço de Deus; e, pela observância dos mandamentos, revela pensar sempre no poder da majestade divina. Exulta em Deus, seu Salvador, o espírito daquele que se alegra apenas na lembrança de seu Criador, de quem espera a salvação eterna.
     Embora estas palavras se apliquem a todas as almas santas, adquirem contudo a mais plena ressonância ao serem proferidas pela santa Mãe de Deus. Ela, por singular privilégio, amava com perfeito amor espiritual aquele cuja concepção corporal em seu seio era a causa de sua alegria.
     Com toda razão pôde ela exultar em Jesus, seu Salvador, com júbilo singular, mais do que todos os outros santos, porque sabia que o autor da salvação eterna havia de nascer de sua carne por um nascimento temporal; e sendo uma só e mesma pessoa, havia de ser ao mesmo tempo seu Filho e seu Senhor.
      O Poderoso fez em mim maravilhas, e santo é o seu nome! (Lc 1,49). Maria nada atribui a seus méritos, mas reconhece toda a sua grandeza como dom daquele que, sendo por essência poderoso e grande, costuma transformar os seus fiéis,pequenos e fracos, em fortes e grandes.
     Logo acrescentou: E santo é o seu nome! Exorta assim os que a ouviam, ou melhor, ensinava a todos os que viessem a conhecer suas palavras, que pela fé em Deus e pela invocação do seu nome também eles poderiam participar da santidade divina e da verdadeira salvação. É o que diz o Profeta: Então, todo aquele que invocar o nome do Senhor, será salvo (Jl 3,5). É precisamente este o nome a que Maria se refere ao dizer: Exulta meu espírito em Deus, meu Salvador.
      Por isso, se introduziu na liturgia da santa Igreja o costume belo e salutar, de cantarem todos, diariamente, este hino na salmodia vespertina. Assim, que o espírito dos fiéis, recordando frequentemente o mistério da encarnação do Senhor, se entregue com generosidade ao serviço divino e, lembrando-se constantemente dos exemplos da Mãe de Deus, se confirme na verdadeira santidade. E pareceu muito oportuno que isto se fizesse na hora das Vésperas, para que nossa mente fatigada e distraída ao longo do dia por pensamentos diversos, encontre o recolhimento e a paz de espírito ao aproximar-se o tempo do repouso.

terça-feira, 26 de maio de 2015

Texto do Ofício das Leituras da Memória de São Felipe Neri



Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo

Alegrai-vos sempre no Senhor

O Apóstolo manda que nos alegremos, mas no Senhor, não no mundo. Pois afirma a Escritura: A amizade com o mundo é inimizade com Deus (Tg 4,4). Assim como um Homem não pode servir a dois senhores, da mesma forma ninguém pode alegrar-se ao mesmo tempo no mundo e no Senhor.

Vença, portanto, a alegria no Senhor, até que termine a alegria no mundo. Cresça sempre a alegria no Senhor; a alegria no mundo diminua até acabar totalmente. Não se quer dizer com isso que não devamos alegrar-nos, enquanto estamos neste mundo; mas que, mesmo vivendo nele, já nos alegremos no Senhor.

No entanto, pode alguém observar: “Eu estou no mundo; então, se me alegro, alegro-me onde estou”.E daí? Por estares no mundo, não estás no Senhor? Escuta o mesmo Apóstolo,
que falando aos atenienses, nos Atos dos Apóstolos, dizia a respeito de Deus e do Senhor, nosso Criador: Nele vivemos, nos movemos e existimos (At 17,28). Ora, quem está em toda parte, onde é que não está? Não foi para isto que fomos advertidos? O Senhor está próximo! Não vos inquieteis com coisa alguma (Fl 4,5-6).

Eis uma realidade admirável: aquele que subiu acima de todos os céus, está próximo dos que vivem na terra. Quem está tão longe e perto ao mesmo tempo, senão aquele que por misericórdia se tornou tão próximo de nós?

Na verdade, todo o gênero humano está representado naquele homem que jazia semimorto no caminho, abandonado pelos ladrões. Desprezaram-no, ao passar,o sacerdote o levita; mas o samaritano, que também passava por ali, aproximou-se para tratar dele e prestar-lhe socorro. O Imortal e Justo, embora estivesse longe de nós, mortais e pecadores, desceu até nós. Quem antes estava longe, quis ficar perto de nós.

Ele não nos trata como exigem nossas faltas (Sl 102,10), porque somos filhos. Como podemos provar isto? O Filho único morreu por nós para deixar de ser único. Aquele que morreu só, não quis ficar só. O Unigênito de Deus fez nascer muitos filhos de Deus. Comprou irmãos para si com seu sangue. Quis ser condenado para nos justificar; vendido, para nos resgatar; injuriado, para nos honrar; morto, para nos dar a vida.

Portanto, irmãos, alegrai-vos no Senhor (Fl 4,4) e não no mundo; isto é, alegrai-vos com a verdade, não com a iniqüidade; alegrai-vos na esperança da eternidade, não nas flores da vaidade. Alegrai-vos assim onde quer que estejais e em todo o tempo que viverdes neste mundo. O Senhor está próximo! Não vos inquieteis com coisa alguma.

segunda-feira, 25 de maio de 2015

Homilia para a Solenidade da Santíssima Trindade

“Pai, Filho e Espírito Santo”

Pe. Luiz Carlos de Oliveira, C.Ss.R.

 Oh Trindade, nós Vos louvamos

            Louvamos pelo que sois, Trindade santa; Louvamos pelo que fez e faz por nós; Louvamos pela comunhão que nos concedeis! Dizer um Deus em Três Pessoas Divinas é professar o dogma fundamental de nossa fé cristã. Este augusto mistério nos foi revelado por Jesus Cristo e constitui a fonte de vida para todos os que acolheram as palavras de Jesus. Para falar sobre a Santíssima Trindade só pode ser quem vive esse mistério com intensidade, como vemos em tantos santos. É o que nos falta. Impressionou-me ver um tio, que era um homem simples, clamar pela Santíssima Trindade do profundo de sua dor no momento de se despedir de sua filha falecida. Isso mostra que nela nos movemos e somos. O louvor a Deus é o alimento de nossa vida. Reconhecer Deus é sabedoria espiritual e maturidade humana, pois o ser humano só consegue ser completo quando é capaz de saber de onde veio e para onde vai. Negar a Deus é desconhecer a si mesmo e sua dimensão maior. Somos mais que um punhado de carne com inteligência. Deus Trindade não nos diminui, pelo contrário, nos faz completos. Os que O negam é porque O reconhecem como existente, do contrário não precisariam negá-Lo. O louvor não consiste em palavras, mas na aceitação deste diálogo vital entre a criatura e o Criador. Por isso rezamos no salmo: “Para Vós, até o silêncio é louvor” (Sl 65,1). Como podemos perder a força desse encontro que nos toma por inteiro? Se a vida pode ser pesada no dia a dia, temos certeza que sermos saciados por essa Presença que preenche a eternidade na densidade de realização e completa satisfação. Ao nos abrirmos ao diálogo em nosso dia temos o eterno que invade nosso cotidiano. Teremos o sentido e o significado de tudo o que fizermos e buscarmos.

Abba, Pai!

            Aprendemos de Jesus como amar o Pai, pois, unidos a Ele nós estamos em contínuo louvor e ação de graças. Quem reza em nós é o Espírito. O mesmo Espírito que unia Jesus ao Pai, nos une também a Ele nesse mesmo diálogo amoroso de tal modo que Rezamos em Cristo e Cristo reza em nós. Entramos no relacionamento de Jesus como Pai e podemos dizer com Ele Abba, que significa Papai. O relacionamento de Jesus com o Pai era de total carinho e abertura ao amor. Essa é a oração que nos ensina: Orar é contemplar amando. Só assim poderemos dizer: Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. A liturgia de hoje nos ensina o mistério em sua teologia e nos ensina a pedagogia do amor que responde. Depois de ouvirmos tanto sobre o Deus vingativo e repressor que ameaça, ouvimos sobre o Deus misericórdia que quer que todos tenham vida e a tenham em abundância.  Responder ao amor é a adoração que a Trindade espera de nós.

Um Deus que se faz misericórdia     
       
Todos os atos de Deus em relação a nós são atos de amor misericordioso. A própria criação é a primeira expressão desse amor como rezamos no salmo 32. Moisés relata a grandeza da ação de Deus. Ele é o Deus que escolheu o povo dentre todos os povos. Salvou-o da escravidão. Servir e amar esse Deus é garantia de felicidade e vida longa. Não podemos imaginar um Deus diferente do Deus amor. Se seu mistério é profundo, mais profundo é seu amor libertador. Cristo ao vir a nós para nos acolher nessa Vida, nos garante se sofrermos com Ele, somos glorificados com Ele (Rm 8,17). Vivemos sempre voltados para a Trindade, pois toda celebração se inicia com o sinal da cruz, obra da Salvação realizada por Cristo em união com o Pai e o Espírito. A cruz domina o universo.
Leituras: Deuteronômio 4,32-34.39-40;Salmo 32;Romanos 8,14-17;Mateus 28,16-20

Ficha nº – Homilia da Solenidade da Santíssima Trindade (31.05.15)

1.       Celebrar a Santíssima Trindade é louvar o Deus Uno e Trino. É um mistério acessível a nós pelo amor. Reconhecer Deu sé uma sabedoria espiritual e maturidade humana. Deus não nos diminui, mas nos faz completos. O louvor é o acolhimento do diálogo vital entre criatura e Criador.
2.      Aprendemos com Jesus como amar o Pai. Quem reza em nós é o Espírito Santo que nos une ao amor do Filho pelo Pai e do Pai pelo Filho. A liturgia nos introduz na pedagogia do amor que responde. Deus é misericórdia e quer que todos tenham vida. Responder ao amor de Deus é a adoração.
3.      Todos os atos de Deus são atos de amor misericordioso. A criação, a escolha de um povo e a libertação do sofrimento do Egito são atos de misericórdia. Participando de seus sofrimentos, participamos de sua glória. Toda celebração se inicia com o sinal da cruz. 

Meu pai é rico. 

Santíssima Trindade! A fé cristã professa com verdade e fonte de vida que há um só Deus em três Pessoas distintas. Nós adoramos Deus Trindade. Quer dizer que reconhecemos que Dele dependemos e para Ele dirigimos nossa vida e como Ele vivemos. É uma Unidade na diversidade de missão. Onde age um, agem as três Pessoas unidas, pois em Deus não há separação nem anulação das Pessoas.
É um dogma de nossa fé. É um mistério insondável: pois podemos sempre conhecer melhor. É inefável: Nunca explicaremos o suficiente. É fonte do amor, razão de nosso amor e finalidade de nosso amor. É importante, nas missas, fazer bem a oração do Creio em Deus Pai. É nossa profissão de fé
Todas as ações de Deus entre nós foram de salvação e libertação. Deus sempre toma a iniciativa no amor que tem por nós.
Que Deus há tão grande que tenha se manifestado com tantos sinais em favor do povo? Guarda suas leis e será feliz. Esse Deus nos convida a ter um relacionamento de filhinhos queridos, chamando-o de Abba! Paizinho. O Espírito nos põe em relacionamento com a Trindade. Jesus nos manda levar a todos esse anúncio e fazer discípulos seus todos os povos.
Esse Pai tem todas as riquezas. Por que passar tanta fome de tudo no mundo?

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Liturgia das Horas: oração de todo o Povo de Deus. Ideal ou realidade?


Manoel Gomes Filho*

Antecedentes judaicos

Indiscutivelmente a origem da Liturgia das Horas está no modo judaico de rezar. Os primeiros cristãos rezavam, embora com espírito e sentido novos, a partir dos modelos e tempos de oração vividos no judaísmo. Por isso não somente no que se refere ao Ofício Divino, mas também em tantos outros elementos de sua liturgia, os cristãos estão intimamente ligados à prática judaica. O papa Pio XI, consciente dessa relação, disse certa vez que “somos espiritualmente semitas”.[1]
          Segundo Hilario Suñer, “a oração cristã deve ser estudada à luz de seus antecedentes judaicos”.[2] Torna-se, desse modo, impraticável um estudo sério da Liturgia das Horas que não dê a devida relevância à oração judaica.
            Na liturgia do templo de Israel havia dois sacrifícios de instituição perpétua chamados Tamid. Esses sacrifícios eram celebrados pela manhã e pela tarde. Embora não pudessem estar presentes, os judeus se uniam a estes sacrifícios por meio de preces. “O povo de Israel orava duas vezes ao dia, unindo-se ao sacrifício Tamid de Jerusalém, ao amanhecer e ao entardecer”.[3]
            Além desses dois momentos, algumas fontes se referem a uma terceira oração rezada ao meio-dia. Essa, no entanto, “resulta historicamente menos comprovada que as da manhã e da tarde, pois não corresponde a nenhum dos sacrifícios perpétuos”.[4]
            Essa estrutura de oração (oração da manhã e oração da tarde) será a base sobre a qual o Ofício Divino em suas origens se erguerá. Há testemunhos neotestamentários (At 2,46; 3,11; 5,12) de que os apóstolos continuaram por algum tempo frequentando o templo, fazendo ali suas orações e pregando o Evangelho de Cristo.
            A partir desses elementos, Alberto Beckhäuser afirma que “o ritmo da oração diária da Igreja, denominada Liturgia das Horas, tem seus antecedentes na experiência religiosa do povo de Israel, com forte expressão pascal”.[5]

Origens e desenvolvimento do Ofício

            Desde muito cedo na história da Igreja houve uma organização no que se refere aos tempos da oração. As horas utilizadas pelos judeus, como foi visto anteriormente, foram tidas pela Igreja antiga como momentos privilegiados para a oração. Para Neunheuser, “apesar de uma certa flutuação, podemos dizer que se conheciam no século I d.C. duas ou talvez três horas fixas de oração: pela manhã, à tarde e ao meio-dia”.[6]
           São conhecidos por meio de alguns textos bíblicos os momentos em que os cristãos rezavam: a descida do Espírito Santo na hora terça, a subida de Pedro ao quarto superior para rezar a hora sexta, a comunidade de Jerusalém em vigília à noite, quando Pedro é tirado do cárcere, e tantos outros. Em relação ao conteúdo, parece que desde cedo a comunidade substituiu o Shemá pelo Abbá. As variações presentes nos sinóticos, quando traduzem o Shemá, segundo Joachim Jeremias,[7] indicam algo nesse sentido.
        Nos primeiros séculos não existe ainda uma organização fixa dos elementos que formam o Ofício. Isso se dará somente depois da Paz de Constantino. A Didaqué fala em três momentos de oração, tendo o Pai-nosso como conteúdo. Ainda no primeiro século, Clemente de Roma fala de “tempos sagrados” e sua importância para a vida de oração. Hipólito de Roma, em sua Traditio Apostolica, fala de sete momentos de oração, prática talvez restrita à sua comunidade cismática. Tertuliano diz que não existe nenhuma prescrição quanto aos momentos em que se deve rezar, mas apenas que se reze sempre. Mesmo assim, ele fala de “horas legítimas” que seriam as Laudes a as Vésperas.
           Pode-se afirmar, portanto, que desde a era apostólica havia o costume de orar três vezes ao dia, com especial destaque para Laudes e Vésperas.
         Não há muitos elementos para determinar se essas orações eram feitas comunitariamente, ou quais delas teriam essa modalidade. Sabe-se, no entanto, que todos eram chamados a essa prática.
Somente com a organização do Ofício torna-se possível ter isso claro. Segundo Beckhäuser, “a partir do século IV, (...), vão-se formando duas tradições bem definidas de oração comunitária da Igreja: o ofício da igreja catedral e o ofício monástico”.[8]
O ofício da catedral seguia o cálculo do tempo dos judeus, ou seja, a experiência pascal diária. Tratava-se de um ofício simples, com a participação de toda a comunidade: bispo, presbíteros, eremitas, leigos etc. A oração da manhã e a da tarde eram os dois momentos mais importantes.
            Os monges, influenciados pelas palavras do Senhor sobre a necessidade de “orar sempre, sem nunca deixar de fazê-lo” (Lc 18,1), organizaram seu ofício de acordo com o modo romano de calcular o tempo. Surgiu, assim, o ofício monástico. Em certos ambientes monásticos, devia-se rezar a cada hora do dia. Depois, serão acrescentadas neste ofício a hora Prima e as Completas.
            Por diversos motivos, o ofício catedral entrou em decadência. Com isso a forma monástica do ofício se espalhou por toda a Igreja, tornando-se a forma oficial de oração. Essa mudança, no entanto, trouxe consequências negativas: “com sua carga monástica, (...), essa forma de oração se limitou praticamente às ordens religiosas e ao clero, deixando o povo distante, com suas devoções”.[9]
            A partir dessa época, cada vez mais os fiéis leigos foram se afastando da Liturgia das Horas. Os clérigos e monges eram encarregados de rezar por todos e o Ofício Divino passa a ser entendido como obrigação e especialidade de padres e religiosos. Pensamento que ainda persiste em muitos ambientes.
            Segundo P. Salmon, “procurar-se-ia em vão uma decisão formal da autoridade que desse força de lei a esta evolução; esta resultou espontaneamente da obrigação que os clérigos de cada igreja tinham de participar na oração das horas”.[10]
            Foi necessário esperar o Concílio Vaticano II para que houvesse uma grande reforma no que concerne à Liturgia das Horas. No período entre o que se costuma chamar “monastização” e o Vaticano II o Ofício Divino foi obrigação do clero e dos religiosos. Também nesse período o Ofício foi perdendo seu caráter comunitário e tornando-se, cada vez mais, oração privada. Os outros fiéis deveriam alimentar sua fé por meio de devoções como o Rosário, o Ângelus, a Via-sacra etc.

A Liturgia das Horas a partir do Vaticano II

            “Com o Concílio, os fiéis leigos são novamente convidados a beberem da Liturgia das Horas, fonte abundante de espiritualidade cristã”.[11] Essas palavras de Beckhäuser se referem ao número 100 da Constituição Sacrosanctum Concilium em que, depois de falar das diversas classes de fiéis obrigadas ao Ofício, declara: “Recomenda-se também aos leigos que recitem o Ofício Divino, quer juntamente com sacerdotes, quer reunidos entre si, e até cada um em particular”.[12]
            O Código de Direito Canônico, também depois de explicitar quem está obrigado ao Ofício, diz que “também os outros fiéis são vivamente convidados, de acordo com as circunstâncias, a participar da Liturgia das Horas”.[13] Elaborado tendo a eclesiologia do Vaticano II como fundamento, percebe-se a abertura do Código para que todo o povo de Deus reze a Liturgia das Horas.
            O Catecismo da Igreja Católica , publicado quase 30 anos depois da Sacrosanctum Concilium, traz uma afirmação de muita importância para o tema aqui tratado: “A Liturgia das Horas é destinada a tornar-se a oração de todo o povo de Deus”.[14] A recomendação dos padres conciliares encontra aqui seu pleno desenvolvimento. A Liturgia das Horas é oração litúrgica por ser a oração de toda a Igreja: leigos, consagrados e ministros ordenados.
           
Considerações finais

         Embora resumidamente, foi apresentado um percurso histórico da Liturgia das horas que tornou possível perceber como foi se formando essa oração e quais as suas características iniciais. Surge inspirada no modo judaico de rezar, tem como característica a santificação do tempo, é rezada por todos os fiéis, individual ou comunitariamente, sendo, de fato, oração de todo o povo de Deus.
       Viu-se também como em determinado momento essa oração tornou-se “propriedade” dos clérigos e religiosos e como a  Igreja, por meio do Concílio Vaticano II e textos posteriores, busca “devolver” essa oração a todo o povo de Deus.
            Já existem algumas iniciativas (periódico, aplicativo, site) que buscam popularizar a Liturgia das Horas, mas muito ainda precisa ser feito.
            Os ministros e pastores devem incentivar a oração das horas por parte dos leigos e orientá-los para que a compreendam e rezem frutuosamente. É necessário compreender que o povo de Deus necessita de alimento sólido e que a Liturgia das Horas tem muito a contribuir no processo de amadurecimento da fé de cada fiel. Que ninguém seja privado da possibilidade de unir-se à Igreja para elevar a Deus o louvor que Cristo introduziu na terra.


* Seminarista paulino, estudante de Teologia na Faculdade de São Bento em São Paulo.


[1] Pio XI, Alocução aos peregrinos da Bélgica, 6 de setembro de 1938.
[2] SUÑER, Hilario M. Raguer, La nueva liturgia de las horas: introducción histórica, doctrinal y practica al ofício divino, Bilbao: Mensajero, 1972, p. 15.
[3] CANALS, J. M., A oração na Bíblia, em BOROBIO, D. (org.), A celebração na Igreja, vol. 3, ritmos e tempos da celebração, São Paulo: Loyola, 2000, p. 277.
[4] SUÑER, op. cit., p. 19.
[5] BECKHÄUSER, A., A celebração do mistério nas horas do dia, em CELAM, Manual de Liturgia IV, A celebração do mistério pascal, São Paulo, Paulus, 2007, p. 113.
[6] NEUNHEUSER, B., História da liturgia através das épocas culturais, São Paulo: Loyola, 2007.
[7] JEREMIAS, J., El mensaje central del Nuevo Testamento, col. “Estela”, n. 38, Salamanca, Sígueme, 1966, cap. I: “Abba”, em SUÑER, op. cit., p. 32.
[8] BECKHÄUSER, op. cit., p. 115.
[9] Idem, p. 117.
[10] SALMON, P., A oração das horas, em MARTIMORT, A.G., A Igreja em oração: introdução à liturgia, Mosteiro de Singeverga e Desclée e cia: Ora e Labora, 1965, p. 919.
[11] BECKHÄUSER, A., Sacrosanctum Concilium: texto e comentário, São Paulo: Paulinas, 2012, p. 123.
[12] SC 100.
[13] Código de Direito Canônico, cân. 1174, § 2, São Paulo, Loyola: 2001, p. 296.
[14] Catecismo da Igreja Católica, n. 1175, São Paulo: Loyola, 1999, p. 331.

segunda-feira, 18 de maio de 2015

Homilia para a Solenidade de Pentecostes

 “Creio no Espírito Santo”

Pe. Luiz Carlos de Oliveira, C.Ss.R.

Santificais a Igreja inteira

            Na festa de Pentecostes a obra redentora de Jesus chega a seu momento máximo para nossa salvação. Na consumação dos tempos a redenção chegará a seu termo, quando o Cristo entregará o Reino a Deus, seu Pai (1Cor 15,24). Em Pentecostes completa-se a missão do Filho que disse: “Se eu não for, o Paráclito não virá” (Jo 16,7). Agora é o tempo do Espírito. Ele leva a redenção a seu efeito em nossos corações e nos ensina toda a verdade: “Quando vier o Espírito da Verdade, Ele vos conduzirá à verdade plena” (13). Em Pentecostes, sua missão, unida à Ressurreição do Senhor, destina-se a todos os povos. O Evangelho pode ser compreendido e amado por todos. Essa verdade está expressa nas pessoas de povos tão diferentes presentes ao acontecimento. Esses povos indicam todas as direções da terra. Não se pensa mais na exclusividade de um povo ou de um grupo religioso. A Igreja deve se cuidar mais para ver onde age o Espírito do que dar regras a sua ação. Não podemos engessar a ação do Espírito num movimento ou em uma teologia. Ela está aberta para que Ele nos manifeste toda a verdade, segundo a promessa de Jesus (Oração sobre as oferendas). Nas orações da liturgia do dia de Pentecostes reconhecemos esta verdade rezando ao Pai: “Ó Deus que, pelo mistério da festa de hoje, santificais vossa Igreja inteira em todos os povos e nações” (oração). A celebração é santificação da Igreja.  Por isso, rezamos a Deus que derrame sobre o mundo os dons do Espírito e realize no coração dos fiéis as maravilhas operadas no início da pregação do Evangelho (oração). As maravilhas não se restringem ao fenômeno das línguas, mas ao anúncio do Evangelho a todos com igualdade como vemos na celebração dos santos mistérios nas línguas locais. Todos são convocados.

Dons do Espírito

            O Espírito nos dá preciosos dons que devem ser desenvolvidos como um serviço a todo Corpo de Cristo, como nos relata a segunda leitura (1Cor 12,3b-712-13). Reconhecer a ação do Espírito e louvá-Lo é fazer frutificar os dons que nos deu. É um chamamento a abrir espaços ao crescimento e promoção dos dons de cada um. Nem todos têm os mesmos dons. Na verdade o dom é de todos, pois fazem parte do Corpo de Cristo. São um presente a todo Corpo, a Igreja. Há também a necessidade de conhecer os próprios dons e trabalhar com eles para o crescimento de todo o Corpo de Cristo. Estes dons se encontram também fora do corpo social da Igreja. Também eles devem ser discernidos e reconhecidos. Não podemos reprimir o fogo do Espírito nem usar de seu fogo para nosso egoísmo e orgulho. O Espírito age onde quer e como quer.

Vinde, Espírito Santo!

            O Espírito Santo estava presente na vida de Jesus e O conduzia no cumprimento de sua missão (Mt 4,1). Agora conduz a Igreja no acolhimento e participação dessa missão. Por isso pedimos o Espírito: “Enviai, Senhor, o vosso Espírito, e renovareis a face da terra”. Cometemos um grande pecado contra o Espírito quando desconhecemos sua ação, como nos diz Jesus: “Se alguém disser uma palavra contra o Filho do Homem, ser-lhe-á perdoado, mas se disser contra o Espírito Santo, não lhe será perdoado, nem nesse mundo, nem no vindouro” (Mt 12,32). Significa fechar-se ao Espírito Santo. Se nos fecharmos a Ele, não há possibilidade de acontecer sua ação. Na Eucaristia temos a invocação do Espírito Santo sobre o pão e o vinho e sobre os fiéis para que sejam Corpo de Cristo. Todos recebem o Espírito Santo. Esse é nosso Pentecostes de cada dia.

Leituras: Atos 2,1-11; Salmo 103; (1Coríntios 12,3b-712-13); João 20,19-23

Ficha nº 1442 – Homilia de Pentecostes (24.05.15)
 
1.  A obra da redenção de Jesus culmina na Vinda do Espírito Santo. Agora é o tempo do Espírito. Ele leva a redenção a efeito nos corações e ensina toda a Verdade. O Espírito é destinado a todos os povos. A Igreja não pode bloquear a ação do Espírito. A celebração é a santificação de toda a Igreja. Renovar Pentecostes é ter novo ardor missionário. 

2. O Espírito nos dá preciosos dons que devem ser desenvolvidos como um serviço a todo o Corpo de Cristo. Reconhecer a ação do Espírito é fazer frutificar os dons que nos deu. Todos têm dons. Compete a todos dar espaço para o crescimento. Os dons são para todo o Corpo de Cristo. Não podemos reprimir o Espírito que está em nós, mas discerni-Lo na caridade.

3. O Espírito estava presente na vida de Jesus e O conduzia no cumprimento de sua missão. Agora conduz a Igreja no acolhimento e participação dessa missão. Nós pedimos que o Espírito venha sempre sobre nós. Fechar-se à ação do Espírito é o pecado sem perdão. Em cada missa recebemos o Espírito Santo.

 A língua do amor é comprida

            A maravilha de Pentecostes não é acontecimento do passado, mas sua presença no meio de nós, pois pedimos na oração que “realize agora no coração dos fiéis as maravilhas operadas no início da pregação do Evangelho”. Não há diferença na ordem da graça no Pentecostes dos Apóstolos e o Pentecostes de hoje.
Pena que alguns só pensem na beleza da teofania, das línguas e dos milagres. A beleza está na força do Evangelho que entra no mundo. As regiões, de onde provinham os peregrinos que acorreram no dia, representam geograficamente todas as direções do mundo.
A riqueza da graça - presente no mistério celebrado - é a presença de Jesus que dá o Espírito para a reconciliação. Esta foi a missão que deu aos apóstolos e continua dando a nós. O perdão dos pecados vai além do sacramento da penitência individual e atinge a todos. O Espírito Santo foi dado a todo o universo. Não é propriedade de ninguém e ninguém pode dominá-Lo.
Para viver intensamente a presença do Espírito, nós O recebemos como um Dom que distribui seus dons. A força do Espírito em nós se manifesta nos dons que colocamos a serviço de todos.


quinta-feira, 14 de maio de 2015

Texto do Ofício das Leituras da Festa (comemoração) de São Matias



Das Homilias sobre os Atos dos Apóstolos, de São João Crisóstomo, bispo

Mostra-nos, Senhor, quem escolheste

        Naqueles dias, Pedro levantou-se no meio dos irmãos e disse (At 1,15). Pedro, a quem Cristo tinha confiado o rebanho, movido pelo fervor do seu zelo e porque era o primeiro do grupo apostólico, foi o primeiro a tomar a palavra: Irmãos, é preciso escolher dentre nós (cf. At 1,22). Ouve a opinião de todos, a fim de que o escolhido seja bem aceito, evitando a inveja que poderia surgir. Pois, estas coisas, com frequência, são origem de grandes males.
        Mas Pedro não tinha autoridade para escolher por si só? É claro que tinha.Mas absteve-se, para não demonstrar favoritismo. Além disso, ainda não tinha recebido o Espírito Santo. Então eles apresentaram dois homens: José, chamado Barsabás, que tinha o apelido de Justo, e Matias (At 1,23). Não foi Pedro que os apresentou, mas todos. O que ele fez foi aconselhar esta eleição, mostrando que a iniciativa não era sua, mas fora anteriormente anunciada pela profecia. Sua intervenção nesse caso foi interpretar a profecia e não impor um preceito.
        E continua: É preciso dentre os homens que nos acompanharam (cf. At 1,21-22). Repara como se empenha em que tenham sido testemunhas oculares; embora o Espírito Santo devesse ainda vir sobre eles, dá a isso grande importância.
        Dentre os homens que nos acompanharam durante todo o tempo em que o Senhor Jesus vivia no meio de nós, a começar pelo batismo de João (At 1,21-22). Refere-se àqueles que conviveram com Jesus, e não aos que eram apenas discípulos.De fato, eram muitos os que o seguiam desde o princípio. Vê como diz o evangelho: Era um dos dois que ouviram as palavras de João e seguiram Jesus (Jo 1,40). Durante todo o tempo em que o Senhor Jesus vivia no meio de nós, a começar pelo batismo de João. Com razão assinala este ponto de partida, já que ninguém conhecia por experiência o que antes se passara, mas foram ensinados pelo Espírito Santo.
        Até ao dia em que foi elevado ao céu. Agora, é preciso que um deles se junte a nós para ser testemunha da sua ressurreição (At 1,22). Não disse: “testemunha de tudo o mais”, porém, testemunha de sua ressurreição. Na verdade, seria mais digno de fé quem pudesse testemunhar: “Aquele que vimos comer e beber e que foi crucificado, foi esse que ressuscitou”. Não interessava ser testemunha do tempo anterior nem do seguinte nem dos milagres, mas simplesmente da ressurreição. Porque todos os outros fatos eram manifestos e públicos; só a ressurreição tinha acontecido secretamente e só eles a conheciam.
        E rezaram juntos, dizendo: Senhor, tu conheces o coração de todos. Mostra-nos (At 1,24). Tu, nós não. Com acerto o invocam como aquele que conhece os corações, pois a eleição deveria ser feita por ele e não por mais ninguém. Assim falavam com toda a confiança, porque a eleição era absolutamente necessária. Não disseram: “Escolhe”, mas: Mostra-nos quem escolheste (At 1,24). Bem sabiam que tudo está predestinado por Deus. Então tiraram a sorte entre os dois (At 1,26). Ainda não se julgavam dignos de fazer por si mesmos a eleição; por isso, desejaram ser esclarecidos por algum sinal.

segunda-feira, 11 de maio de 2015

Homilia do Domingo da Ascensão do Senhor

“E subiu ao Céu”

Pe. Luiz Carlos de Oliveira, C.Ss.R.

Se Eu não for, o Espírito não virá

            A festa da Ascensão de Jesus ao Céu está sem a devida consideração, mas faz parte do Mistério Pascal de Cristo. Durante quarenta dias, depois da Ressurreição, Jesus passou junto aos discípulos aparecendo-lhes muitas vezes, instruindo-os sobre o Reino de Deus (At 1,3). Depois foi levado ao Céu. Uma nuvem O cobriu. Dois homens vestidos de branco disseram: Por que estais a olhar para o Céu. Ele virá do mesmo modo que vistes subir (At 1,10-11). Está clara aqui a missão dos apóstolos: Agora é tempo de levar o testemunho a todos da terra. É o tempo do Espírito.  Ele dissera: “Se eu não for, o Espírito Santo não virá a vós” (Jo 16,7). A primeira missão do Espírito é fazer conhecer o Cristo na Glória do Pai e nossa condição de redimidos. Não basta dizer que fomos salvos. Os apóstolos, em suas pregações ao povo salientavam que o Cristo, que fora crucificado, ressuscitara e fora exaltado à direita de Deus, no sentido de pleno poder de sua Divindade, constituído Cristo e Senhor. Proclamamos no prefácio: “Tornou-se o mediador entre vós, Deus, nosso Pai, e a humanidade redimida, juiz do mundo e senhor do universo”. Paulo diz ainda: “Ele pôs tudo sob seus pés e fez Dele, que está acima de tudo, a Cabeça da Igreja, que é seu corpo, a plenitude Daquele que possui a plenitude universal” (Ef 1,22-23). Para Ele se encaminha todo o universo. A plenitude existirá quando Deus em Cristo recapitular todas as coisas, as que estão nos céus e as que estão na terra (Ef 1,10). A missão de Cristo Glorificado é continuar a oferecer-se à humanidade e ser nosso eterno intercessor (3º Prefácio pascal). Ele envia o Espírito para realizar a redenção em nossos corações. Os apóstolos recebem a missão de anunciar o evangelho a toda criatura... Os discípulos saíram e pregaram por toda parte. O Senhor confirmava suas palavras (Mc 16,15.20).

Espírito de sabedoria

            Além de confirmar na fé no Senhor glorificado, Paulo nos faz conhecer a grandeza da vida cristã. É nessa que fundamos nossa esperança. Não estamos ausentes da Glorificação do Ressuscitado. Paulo reza por nós para que tenhamos sabedoria de conhecer Jesus. O conhecimento de Jesus é fundamental para a vida Cristã. Possamos dizer como São Paulo: “Sei em quem coloquei minha fé” (2Tm 1,12). A ação do Espírito de Cristo em nós abre nosso coração à sua luz. Nela podemos saber qual é a esperança que seu chamamento nos dá. Abre-nos a nossa dimensão de futuro. Nosso futuro está em Cristo Glorificado. Nele percebemos a herança que nos está reservada.  Unidos a Cristo temos a nosso dispor as riquezas de Deus e seu poder a nosso favor. A Ascensão nos introduz na dimensão de vida eterna. Fazemos parte de seu corpo que é a Igreja. As riquezas da graça nos estimulam a viver mais intensamente a fé que professamos e o Espírito Santo que nos conduz.

Nossa vitória

Como somos ainda peregrinos tendo todos esses bens na promessa e não os tendo ainda em mãos, suplicamos que um dia participemos definitivamente com Cristo desses dons.  Nas orações da missa confirmamos nossa fé em fazer parte do corpo de Cristo e um dia participar de sua Glória (oração). Conscientes de nossa condição de cidadãos do Céu por nossa união a Cristo, pedimos que nossos corações se voltem para o alto onde já está nossa humanidade (Pós Comunhão). Na Ascensão, Jesus não se afastou de nossa humanidade, mas dá-nos a certeza de que nos conduzirá à glória da imortalidade (prefácio). Essa rica liturgia da Ascensão tem o sabor da Páscoa eterna à qual somos chamados desde nosso batismo.

Leituras: Atos 1,1-11; Salmo 46; Efésios 1,17-32; Marcos 16,15-20.

Ficha nº 1440 – Homilia da Ascensão do Senhor (17.05.15)

1.      A festa da Ascensão é esquecida. Faz parte do Mistério Cristo. A missão dos discípulos é aqui na terra. É tempo de levar o testemunho a todos. É o tempo do Espírito. Ele nos faz conhecer o Cristo Glorificado que nos envia o Espírito.

2.      Conhecendo Jesus, conhecemos também a riqueza que nos está reservada. Estamos abertos a uma dimensão de futuro onde temos uma preciosa herança. Temos o poder de Deus e as riquezas de Deus a nosso favor.

3.      Somos peregrinos tendo todos esses bens, mas não em nossas mãos. Suplicamos poder participar definitivamente com Cristo desses bens. Queremos os corações voltados para o alto onde já está nossa humanidade.


Cavando o Céu

            Para encontrar tesouros cavamos a terra. Para encontrar a riqueza da graça de Deus que nos prepara, cavamos o Céu. Quando Jesus é o tesouro de nossas vidas, encontramos tesouros por onde passamos. Tesouro atrai tesouro.
            Jesus quis fazer um jogo conosco: escondeu-Se no Céu para que pudéssemos ir lá para encontrá-Lo. Não precisamos procurar, pois, como estamos unidos a Ele por sua Encarnação, sabemos onde está. A Ascensão ao Céu já é nossa vitória. Membros de seu corpo, somos chamados a participar de sua glória.

Jesus subiu ao Céu, não para ficar longe de nossa humanidade, mas para dar-nos a certeza que nos conduzirá até lá.  Por isso Paulo nos convida a conhecer a esperança a que somos chamados, a riqueza da glória que está em nossa herança e o imenso poder que tem a nosso favor a partir de sua Ressurreição. Ele possui a plenitude universal. E estamos juntos com Ele. 

quarta-feira, 6 de maio de 2015

A LITURGIA: IMPORTÂNCIA DE UM TEMA QUE NADA DIZ AO “HOMEM MODERNO”

Juan Miguel Ferrer[1]

1. Paradoxos do homem de hoje

É sempre arriscado sintetizar em poucas palavras a complexidade dos fenômenos humanos e sociais. Não obstante, para poder situar nossas reflexões desta tarde, creio necessário oferecer um esboço rápido de como eu vejo o “homem moderno”, entendendo por tal a nossos contemporâneos, homens e mulheres, do leste e do oeste, do norte e do sul.
Alguém diria que é impossível, que as situações culturais são tão diversas, mas isso, hoje, em meio a um mundo globalizado cultural e informativamente, (como vocês sabem melhor que eu), é só aparentemente certo. As diversidades ainda nos diferenciam, mas as linhas mestras nos entrelaçam a nível mundial, tanto como a comum natureza humana com seus impulsos e desejos compartilhados.
O ser humano hoje aparece profundamente inseguro e desorientado. Perdeu, em grande medida, suas certezas e seus pontos de referência. O relativismo e a liberdade, entendida como pura liberdade de opção, têm estas inevitáveis consequências. Na medida em que estas tendências foram tomando força não se substituiu os referênciais institucionais, matrimônio e família, pátria, religião... simplesmente, se perderam.
A esta “deriva cultural” deve-se acrescentar, creio eu, a linha transversal do sofrimento. Há muita solidão, muita insatisfação, muita desesperança. Nossa sociedade, nossos contemporâneos, estão transpassados, de modo muito universal, por um profundo mal-estar ou “angústia”, um tema sobre o qual hoje já se escreve pouco, mas que preocupou os pensadores existencialistas do pós-guerra (segunda metade do século XX), e que se detecta como fenômeno característico da humanidade contemporânea. Os desequilíbrios sociais, as guerras e a presente crise vêm consolidar este mal.
Ante esta situação, (o ser humano não pode subsistir assim), emergem com força na cultura contemporânea fenômenos paliativos, que querem evitar os efeitos destes males sem a pretensão de tocar suas causas (que consideram irreversíveis). Seja pela via do individualismo hedonista, seja pela via de um inconformismo revolucionário, ou de um cientificismo prático, se quer conseguir um “instalar-se comodamente no mundo, no imanente”. Não deixar de menos nem a verdade, nem a continuidade histórica que oferecem as instituições. Não ter nenhum limite para os próprios desejos, nem dos deuses, nem de leis humanas, nem da natureza.
Mas por trás de tudo isto tem que haver um porquê. As ideias ilustradas, os ateísmos, teóricos ou práticos, sempre existiram, mas o fenômeno que caracteriza a época presente, e que vem tomando força desde o final da Grande Guerra (1914-1918), é do ateísmo de massas, que, hoje, começa a ser um fenômeno planetário. Um ateísmo, evidentemente mais prático que teórico, mas de omissão que de negação, muito unido ao fenômeno do agnosticismo. E estas massas agnósticas são caldo de cultivo para uma sociedade e uma cultura como a que agora está se impondo por todo o mundo. Uma cultura que até chega a ver o religioso já não como dimensão natural do ser humano (“homo religiosus”, ser religioso), mas como patologia social. As religiões vão sendo consideradas pouco a pouco como perigo para a paz e a convivência social. Tolera-se socialmente a fé pessoal, mas se limita e repudia a religião enquanto fenômeno social. Como se pôde chegar a este estado de opinião? Como, quando ainda altíssima porcentagem da população se atribui uma confissão religiosa? Como, quando cada domingo em países como Espanha e Portugal milhões de pessoas se reúnem para participar da Missa? Como, quando as manifestações de piedade popular e os santuários de peregrinação acolhem multidões em número crescente?
É certo que vivemos fenômenos contraditórios e que onde a religiosidade popular é mais forte supõe um freio aos processos de secularismo cultural. Mesmo que pese o fenômeno de viver cotidianamente como se Deus não existisse, difunde-se inexoravelmente. Muitas expressões tradicionais de fé, que envolviam a vida social e a cultura, vão sendo separadas de seu “sentido religioso” para conservar somente um valor folclórico ou de tipismo.
Um fator, no meu modesto entender, está muito ligado a este difuso “desafeto” com respeito a Deus e, em particular, ao Deus pessoal. Trata-se da experiência coletiva dos grandes desastres bélicos, da violência massiva contra inocentes e as consequências do emprego generalizado de armas contra a população indefesa. Experiências terríveis às quais fomos submetidos, em escala mundial, desde 1914-1918 e 1939-1945 e em seguida, a nível local, com incessantes conflitos ou guerras civis por quase todo o planeta, até hoje. E junto às guerras, as violências contra populações ou etnias inteiras por mãos de regimes totalitários, ditaduras corruptas ou grupos terroristas ou paramilitares. Males que brotam em grande medida desta civilização sem Deus, mas que provocam o desespero de muitas vítimas e de não poucos expectadores objetivos até chegar à rejeição de um Deus que permite tais coisas: “Meu Deus! Meu Deus! Por que me abandonaste?” (Sl 22,2; Mc 15,34).
Por outra parte, mesmo nas sociedades mais secularizadas e nos ambientes culturais mais laicistas (o que representa fundamentalmente o mundo mais desenvolvido economicamente e as sociedades de bem-estar hoje feridas pela “crise”) se produzem fenômenos sociais de ritualização (condutas-sinais) e de aparente transcendência (que buscam dar “sentido” ou superar as próprias insatisfações e limites). Seja com o auge de práticas exotéricas ou sub-religiosas (superstições), dos grandes espetáculos de massas (esportivos ou musicais) ou do recurso a usos sociais que implicam o consumo de substâncias como o álcool ou as outras drogas. E conforme se avança no esquecimento de Deus e da religião se desenvolvem mais estes fenômenos em escala social como novas religiões sem Deus. Mas parece que o ser humano necessita de ritos, festas e experiências que superam sua pura percepção empírica, tanto da realidade como de si mesmos.
Mas não quero terminar esta apresentação de conjunto de nosso mundo contemporâneo e das problemáticas humanas que suscita sem declarar minha valoração da mesma. Falei de um recurso coletivo a “práticas paliativas”, quer dizer, de fato uma nova forma de “alienação”, pois ante a falta de esperança e de sentido da vida, não se quer afrontar a questão de Deus, por considera-la, a priori, superada; nem a da religião, por tê-la como perigosa para a possibilidade de convivência pacífica ou para a salvaguarda da própria liberdade individual. Mas as pessoas que vivem imersas nessa cultura sem Deus não veem superadas suas ânsias e inquietudes, não encontram verdadeira esperança em tais curas analgésicas. Nossa sociedade começa a padecer endêmicas patologias espirituais e inclusive psíquicas. Se o puritanismo do século XIX, especialmente nas classes sociais mais altas, gerou segundo a escola psicanalítica patologias ligadas à repressão da sexualidade humana (seguindo S. Freud), nossa sociedade as está gerando em torno da repressão do instinto religioso do ser humano (vide o pensamento de Victor Frankl).
Muitos falam no Ocidente de um novo paganismo. O certo é que existem entre nossa sociedade contemporânea (que em grande parte “apostatou” do Cristianismo) e o Império romano do século I um grande paralelismo. A “religião dos romanos” havia se convertido em um ritualismo, ligado a usos sociais e a estruturas de poder, e as pessoas buscavam sair de sua insatisfação com as celebrações orgiásticas ou os espetáculos circenses carentes de uma “transcendência” ligada ao culto sagrado. Em tal contexto não faltavam minorias que buscavam tal “sentido religioso” nas religiões orientais (os cultos de “mistérios”). Muitos, ao chegar a Roma o cristianismo, o consideraram como outro destes cultos por suas semelhanças externas em ritos e linguagem. Mas logo o cristianismo mostrou sua originalidade, que o levou ao conflito com o poder romano. E a diferença entre aqueles mistérios e o cristianismo estava na natureza do culto, como frente à religião oficial do Império. Por isso, naquele momento inicial, os cristãos protegeram sua liturgia com a lei do arcano (do segredo).
O que é evidente é que no contexto cultural atual a questão do culto cristão, da liturgia, está no “olho do furacão” do diálogo ou relações entre a Igreja e a sociedade contemporânea. Assim o entendeu o Concílio Vaticano II como o declara solenemente no primeiro número da Constituição Sacrosanctum Concilium (SC) sobre a divina liturgia.

2. Na “definição” do cristianismo, liturgia e revelação

Chega o momento de falar da liturgia, do culto a Deus próprio dos cristãos, que para distinguir-se geralmente recebe este nome frente ao genérico de “culto” comum a todas as religiões. E a originalidade cristã no culto anda de mãos dadas com sua originalidade enquanto religião em si mesma. O cristianismo começou da religião judaica e sua novidade se apoia no conceito de revelação. Conceito que precede à existência mesma de um “livro” como expressão ou custódia de seu conteúdo (Vide a Constituição Dei Verbum (DV) do Concílio Vaticano II).
E na revelação o primeiro que emerge é um Deus que busca o ser humano, que lhe oferece amor e amizade, e que toma a iniciativa em tais relações. Este Deus se dá a conhecer interatuando com os seres humanos e sua liberdade, nos limites do amor e da amizade, que não podem se impor pela força, mas que abrem à doação total de si mesmo. A revelação gera assim uma religião histórica onde o “mito” fica como mero estilo literário ou recurso linguístico (linguagem sacra), mas são os acontecimentos e as pessoas (“amigos de Deus” e profetas) os que contam verdadeiramente. Surge o conceito de história da salvação e com ele a definição precisa do objeto de uma esperança certa, a consumação de tal história.
Para o povo de Israel no culto se encaminha à esperança e é memória de personagens e acontecimentos históricos que, por seu encontro com Deus, por ser de Deus, têm uma perene atualidade à qual os homens ascendem pelo mesmo rito sagrado. Israel reza e celebra fazendo memória e sua fé é narração dessa mesma história e renovação desse mesmo encontro pessoal e comunitário com Deus. O grande conceito é o memorial.
Os cristãos entram nesse processo histórico precisamente no momento no qual, por meio de Jesus Cristo, Deus o leva à plenitude. Cristo é a plenitude dos tempos. Sua pessoa e obra, seu acontecimento recapitula a história da salvação. Cristo colma a esperança de Israel e é a plenitude de sua religião, Cristo é o protagonista do novo culto até a consumação dos tempos (ideias chaves da Carta aos Hebreus e do Livro do Apocalipse no Novo Testamento). Por isso como sucedia primeiro entre os judeus, assim também agora para os cristãos a fé é essencialmente encontro pessoal e aceitação do Deus que se revela e revelando-se nos santifica, leva à plenitude nossa criação-vocação. E este encontro pessoal tanto para judeus como para cristãos se dá na celebração litúrgica do povo de Deus.
Seja para o povo de Israel, seja para os cristãos, a fé é um acontecimento pessoal que se realiza e alcança na comunidade crente convocada por Deus, que constantemente se dá a conhecer a ela operando na sua salvação. Sinagoga (antes a assembleia de Deus) e Igreja são os lugares da fé. Seguindo nosso discurso como cristãos diremos que a Igreja (Mistério) é o lugar onde constantemente Deus chama, fala e atua na vida dos homens. E a Igreja se manifesta especialmente quando se reúne para celebrar os divinos mistérios.
A aceitação do amor/amizade de Deus, insistirei, é uma decisão absolutamente pessoal e livre, segundo o modo de atuar de cada idade e das qualidades e circunstâncias de cada um, mas é possibilitado, se objetiva e amadurece na “Igreja em oração”. Esta Igreja é a una, santa, católica e apostólica. É a do céu e da terra, mas se comunga com ela em cada comunidade sacramental, especialmente eucarística. Em seguida se vive na Família cristã (Igreja doméstica) e em outros âmbitos comunitários eclesiais de diversa densidade sacramental, Diocese, Paróquia, Comunidade religiosa, Associação ou Movimento,...
A compreensão da fé cristã caminha, como se vê, muito unida à compreensão da Igreja como Mistério (Lumen Gentium 1-8) e da liturgia como Obra de Deus (SC 5-10 e Catecismo da Igreja Católica, n. 1077-1112 “Liturgia obra da Santíssima Trindade”). E a configuração da liturgia não se entende senão ligada ao que foi a Divina Revelação.
Como Bento XVI expressou com genialidade em seu discurso ao clero de Roma (quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013): a ideia do Concílio de uma Igreja “de comunhão”, mais que interpretada sociológica ou politicamente, se há de entender a partir da Eucaristia, isto é, litúrgica e sacramentalmente, em perfeita continuidade como desenvolvimento e clarificação do conceito de Igreja corpo místico e Igreja povo de Deus.
O conceito ritualista de liturgia fica superado totalmente pelo Magistério em um processo clarificador cujos últimos passos estão na Encíclica Mediator Dei (Pio XII), na Constituição Sacrosanctum Concilium (Vaticano II) e no Catecismo da Igreja Católica (João Paulo II, com uma grande contribuição do então cardeal Ratzinger). E sua consideração como beleza se agora mais e mais na ordem dos transcendentes deixando de lado uma pura consideração sensual/sensível.
O que acontece é que esta “verdade da liturgia”, este genuíno “espírito do cristianismo” não deixaram de calar na consciência coletiva dos católicos e menos, está claro, na dos observadores externos do fenômeno cristão. Por isso a ideia chave que o Magistério papal vem difundindo desde o Sínodo extraordinário de 1985 e, por parte do Beato João Paulo II desde Vicesimus Quintus anus (VQA, Carta nos 25 anos da SC) é que substancialmente já está feita a reforma litúrgica do Vaticano II, que se encontra nos novos livros litúrgicos (sempre susceptíveis de atualizações e “retoques”). Mas a grande tarefa ainda por fazer é a da renovação litúrgica, que é tarefa da “formação” e do “aprofundamento espiritual”. Trata-se de que os bispos, sacerdotes e fiéis todos conheçam a verdade da Liturgia e vivam-na mediante uma participação plena e frutuosa na mesma. Este é o desafio da evangelização (na linha expressa por Paulo VI em Evangelii Nuntiandi , de harmonia entre evangelizar e sacramentar; que vale para a evangelização, para a missão e para a nova evangelização) e este é o desafio da iniciação cristã. Aqui convergem as três grandes preocupações do Concílio Vaticano II e do sentir da Igreja Universal expresso principalmente nos Sínodos dos bispos, celebrados depois do Concílio, e muito particularmente nas sucessivas exortações apostólicas de Paulo VI, João Paulo II e Bento XVI depois dos mesmos.
A celebração litúrgica não pode reduzir-se pois a um encontro formativo (ainda que seja), nem a uma oração pública (ainda que seja sua forma mais completa e fundamento e escola de toda oração cristã), nem a um momento festivo da comunidade (ainda que se expresse como a festa mais autêntica dos crentes); a Liturgia é Deus conosco. É presença e comunicação do amor que Deus é. É experiência humana transcendental (aqui está a realidade fundante de toda mística cristã). Nela nasce e se desenvolve cada cristão e a própria Igreja, a partir da comunhão com/em Deus. É penhor e antecipação da vida eterna. Nela, como já ensinou com tanta agudeza santo Tomás de Aquino (cf. CEC 1130, nota 48), passado e futuro se “comunicam” em maravilhosa atualidade de presença para fundar a fé no acontecimento histórico, na consciência pessoal atual e mostrar sua plenitude de graça e fim, que se faz real e universal (aberta a todos) vocação à santidade (CEC 1130. 1136-1139; ler em relação com LG 5, n. 39-42).
Quem deseja conhecer verdadeiramente o cristianismo há de conhecer e se interessar por seu conceito teológico de Liturgia, quem deseja provar o genuíno espírito cristão ou viver o verdadeiro sentido dos ensinamentos vertebrais do Concílio Vaticano II deverá entrar no ensinamento e vivência eclesial da Liturgia.

3. Alguns traços do cristianismo que afloram em sua liturgia

Sem pretender esgotar esta via de aproximação ao mistério cristão a partir da Liturgia, se quisermos pôr em evidência alguns traços importantes do cristianismo que ficam mais claros compreendendo e observando sua Liturgia, partirei para isto da definição/descrição da Liturgia que oferecida pela SC em seu número 7:
“Assim, pois, com razão se considera a liturgia como e exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo em que, mediante sinais sensíveis, significa-se e realiza-se, segundo o modo próprio de cada um, a santificação do homem e, assim, o Corpo místico de Cristo, isto é, a cabeça e seus membros, exerce o culto público”.

A) O exercício da função sacerdotal de Jesus Cristo

Pode traduzir-se também como a atualização de seu Mistério Pascal. O sacerdócio de Cristo é único e eterno. Começa no momento mesmo da encarnação e é seu traço que o define. Na unidade de sua Pessoa divina (seu “eu”) se associam, sem mescla nem separação, sua natureza divina, que o une ao Pai e ao Espírito, e sua natureza humana, que o une a nós. Seu próprio ser é reconciliador e comunional, é a declaração do amor e do perdão de Deus em favor da “descendência de Adão”. Conhecer o mistério de Cristo e de seu “sacerdócio” é conhecer o desígnio de Deus sobre a humanidade e contemplar sua realização já culminada. Todo o conteúdo da fé sintetiza-se aqui.
Não é em vão que os orientais chamam a celebração litúrgica de teologia primeira (enquanto principal “depósito” dos conteúdos da fé e primeira “apropriação” dos mesmos por parte dos crentes, no uso de suas faculdades de contemplar, conhecer e refletir). A Liturgia se apresenta como o crisol da tradição. Nela a fé da Igreja une Palavra de Deus, contribuições do Magistério, ensinamentos dos padres, escritores eclesiásticos e teólogos, que celebram e contemplam a Obra de Deus, no correr dos séculos. Não é de estranhar como os pastores da Igreja, individual e colegialmente, no Oriente e no Ocidente, expressaram sempre uma particular atenção e vigilância sobre a Liturgia, e, na tradição católica, o papa se reservou uma peculiar tutela sobre a mesma (como recordou a SC n. 22).
A vida e obra de Jesus de Nazaré é o desenrolar desse “mistério”, até culminar em sua paixão, morte e glorificação, como mostram os evangelhos, (particularmente o de são João) e se descobre ao longo de cada Ano Litúrgico (ciclo temporal) e na celebração dos sacramentos e sacramentais. Seus “mistérios” são os passos do dar-se a conhecer e tornar acessível seu “Mistério”, e tudo isto é o que se “atualiza/exercita” nas ações litúrgicas da Igreja.
Contudo, há um ponto chave em todo este discurso sobre o “sacerdócio” de Cristo: a Encarnação. O ser humano não tem em “Adão” sua referência principal. Adão é uma garantia de um projeto de Deus criador que visa a Cristo. Cristo será pois o novo e verdadeiro Adão. A cristologia será pois a peça chave da antropologia cristã e a salvação que Jesus Cristo traz, como fruto de seu ser e fazer sacerdotais (Soteriologia), da chave da verdadeira vocação e evolução humanas. Toda a primeira Encíclica do Beato papa João Paulo II, Redemptor Hominis é uma magistral exposição destes princípios. Cristo, e eu diria Cristo sacerdote, é a chave para descobrir a verdade do ser humano e de sua esperança (cf. Bento XVI, Spe Salvi).
A humanidade de Cristo é a base da “sacramentalidade cristã” e permite compreender o altíssimo valor que tem na tradição bíblica a natureza humana e, em particular, o corpo humano. Uma visão que se reforça ao longo da História da salvação e culmina com a Ressurreição de Jesus Cristo, fundamento da fé na ressurreição da carne dos cristãos. O enfraquecimento desta fé entre os crentes e o esquecimento na sociedade, com a crescente difusão de concepções reencarnacionistas ou aniquiladoras, anuncia o ocaso do ser humano e de sua dignidade, ligado a afastar-se da verdade revelada. A Liturgia se fundamenta no fazer sacerdotal de Cristo mediante sua humanidade, mediante seu corpo (por isso ligada a realidades históricas e culturais muito concretas, que estão associadas à base da universalidade de seu valor).
Na Liturgia cada ser humano se encontra com Deus e com os irmãos de um modo “sacramental”, por meio do “corpo”, no qual atua e se manifesta a ação de Deus tornada possível por Jesus Cristo e por seu Espírito Santo presente na Igreja. Em grande medida a ação litúrgica reintegra o ser humano em sua rica realidade, corporal e espiritual, pessoal e social.

B) Mediante sinais sensíveis

Criação, Revelação e Liturgia põem em evidência o nexo entre Deus e a Natureza e o papel de “Pontífice” (fazedor de pontes) que ao ser humano corresponde no desígnio divino. Papel que, como vimos brevemente, encontra seu cume no Sacerdócio de Jesus Cristo. A tradição bíblica liga a vocação do ser humano à noção de natureza, podemos dizer do cosmos, como paraíso. E esta visão recorre e encharca toda a História da Salvação com momentos peculiarmente bonitos como se refletem no Cântico dos cânticos ou no Livro do Apocalipse. O pecado significa a “expulsão” do paraíso, cada passo da História da Salvação é um recuperar o paraíso, recuperar a harmonia divina entre o ser humano e o mundo, entre criação e criador, no ser humano.
Toda a “pré-sacramentalidade” do caminho religioso de Israel prepara a sacramentalidade cristã. Os sinais da Liturgia expressam a reconciliação cósmica. A grande ecologia divina. A celebração litúrgica se converte em uma grandiosa ópera, onde pelo sensível se chega ao amor do invisível e no tempo se saboreia a eternidade. Todos os sentidos do ser humano, janelas abertas ao mundo, se purificam e descobrem a consagração do grande templo da criação. Tudo o que foi ocasião de idolatria, a partir do corpo, os elementos da natureza e suas forças, se convertem em instrumentos que fazem ressoar a glória de Deus, enquanto são instrumentos da santificação dos seres humanos. Que distante da pobre visão nominalista de uma escolástica em decadência ou do olhar luterano para a liturgia! A verdadeira festa dos sentidos não está no frenesi do hedonismo ou dos cultos pagãos, mas no estalido pascal do mistério da Liturgia.
Agora todo o passado dos arquétipos coletivos do subconsciente, dos quais falou o psicólogo Jung, toda a linguagem dos mitos e das religiões naturais, tão estudada por Mircea Elíade, encontra sua plenitude em uma Palavra que se cumpre na história, em sinais que realizam o que significam, em uma esperança que se experimenta já cumprida enquanto se avança para a sua culminação.
Tudo isso tem muito a ver com a sã “mundanidade” do catolicismo, entendida como seu amor apaixonado pela plenitude do ser humano, por seu corpo e por suas obras, e também como amor apaixonado pela criação, que é boa e que tem por vocação, como bem se mostra na Liturgia, ajudar ao ser humano a ser bom, enquanto encontra nele sua plenitude (recordemos a frase do prefácio da atual oração eucarística IV do Missal Romano: “...e por sua voz todas as demais criaturas”, referida à voz cultual da Igreja, que no canto do “Santo” se associa ao céu e também à criação inteira para louvar a Deus).

C) Pela santificação do homem se oferece o culto público íntegro

A “glória de Deus é o homem vivente” afirmou santo Ireneu de Lião, quer dizer, o que agrada e reconhece a grandeza de Deus é a santidade do ser humano, sua plena manifestação como filho de Deus, o levar à conclusão o que está contido em ser “imagem e semelhança de Deus”. A Liturgia contém e nela se realiza este fazer o ser humano santo-filho de Deus. Na Liturgia se faz presente o acontecimento que verdadeiramente muda a vida de cada ser humano e da humanidade inteira. Por isso na Liturgia se dá a causa da felicidade e da vida, oferecidas a todo ser humano. A Liturgia não pode pois senão revestir a forma da festa, mas não de qualquer festa, da única e plena festa. Tal caráter não brota dos costumes festivos, estes pelo contrário devem brotar da experiência de conversão e de fé que é a base da participação litúrgica e da realização festiva.
A festa litúrgica tem uma força tal que pode converter a própria experiência da enfermidade grave em realidade salvífica (pensemos na Unção dos enfermos) ou o drama do mal e do pecado em graça e perdão (como o caso da confissão e reconciliação) ou a própria realidade dramática da morte em esperança certa de vida eterna e de ressurreição (tal como se vive as exéquias cristãs).
Sem “acontecimento” (entende-se favorável e de irradiação) não pode haver festa. E a consistência do acontecimento manifesta-se na riqueza expressiva e na duração da festa. A Páscoa, o Mistério de Cristo em sua totalidade são o centro da história e deram lugar às mais ricas expressões festivas da cultura humana que, ao longo dos séculos, seguem sendo celebradas por toda a terra dia após dia.
Porque o acontecimento que é Jesus Cristo é tal que nos cristãos estivemos e estamos sempre em festa. Claro que sendo isto humanamente, por enquanto impossível, a festa se condensou hierarquicamente em momentos e dias significativos, o que deu lugar ao Ano Litúrgico e à chamada Liturgia das Horas. Creio que esta concepção da vida, talvez “pouco produtiva” economicamente, marcou até pouco tempo os povos católicos (mais ainda ao unir-se aos fatores geográficos e climáticos do mediterrâneo).
Na concepção cristã do tempo e da festa culmina a antiga concepção romana de um ócio com dignidade, que correspondia a algo muito distinto da vadiagem, mas também algo muito distante do economicismo utilitarista e produtivista que hoje nos asfixia. O ócio com dignidade tem seu parentesco no conceito do descanso operoso divino e na atitude contemplativa dos sábios clássicos. Neste contexto o “negócio” aparece como um conceito subordinado e até mesmo negativo, neg-ócio (não-ócio).
A concepção litúrgica do tempo bíblico proporcionou à nossa cultura a semana com um dia singular de descanso, de festa, entre nós o Domingo (festa primordial dos cristãos segundo a SC; sobre seu valor cf. a carta Dies Domini do Beato João Paulo II). E junto a ela a presença “gratuita” das festas de Cristo, da Virgem ou dos santos, festa fixas ou móveis que pertencem o calendário cristão. O mundo moderno, e mais em tempos de crises, as vê como uma ameaça. Até o Domingo se vê fortemente como dia universalmente festivo. Tudo são exigências de um modelo de crescimento econômico “desenvolvimentista” que promete os frutos do “bem-estar”, mas onde fica o ser humano? Que posto corresponde ao bem comum neste modelo econômico? Já Bento XVI indicou seus reparos ante tal modelo em sua mensagem passada na Jornada Mundial pela Paz (1º de janeiro de 2013), seguindo o rastro de toda a Doutrina Social da Igreja e de sua primeira encíclica Deus Caritas est.
O mundo pagão, como a maior parte das religiões naturais, não possui um rito festivo semanal (e muito menos diário), as festas geralmente se reduzem a um dia ou dias em determinado momento do ano. Muito disso fica, mais ou menos cristianizado, em torno de algumas manifestações de religiosidade popular. O mundo secularizado também busca alguns tempos de festa, necessita de festas. Curiosos foram os esforços dos totalitarismos por um calendário secular de festas depois do falido intento dos revolucionários franceses. Mas hoje, superadas as ideologias, é o economicismo o que delineia um mundo onde pela primeira vez a festa tende a “privatizar-se”, para não dificultar,  mas favorecer o consumo e a produção, e a festa se distancia mais do acontecimento e se vincula às expressões exteriores da celebração e chega-se a propor, na falta do mesmo, a alucinação ou a ficção como alternativa.
Não se impôs ainda tal modelo entre nós, mas vai tomando força frente ao que resta de cultura cristã no Ocidente. Mas creio que valha a pena estabelecer onde nos leva esta deriva economicista e laicista.
O mais terrível é, como esta mentalidade pôde “infectar” o conceito cristão de participação litúrgica. São muito negativos os efeitos do esquecimento do acontecimento (que é esquecimento das dimensões de fé e conversão) na Liturgia, a favor das puras ações externas (ativismo ou, em outros casos, ritualismo). O tédio, o desinteresse ante a Liturgia, não depende tanto da dificuldade para compreender sua linguagem, ou da distância cultural entre quem as formularam e quem hoje a celebra. Essas coisas podem ser superadas com a adequada formação e adaptação. O grande problema está em confundir sua “natureza”. Esquecer quem é seu “ator” principal e não ter presente o “acontecimento”, que realmente se faz presente, com sua transcendência para cada um e para a comunidade inteira. O problema é pois de fé e de “orientação”. A Liturgia não é o algo a mais com respeito à vida cotidiana. É o sal dessa vida. E se este “se torna insosso”...
Entrar na Liturgia, celebrar, é introduzir-se na dimensão fundante da realidade, superando toda superficialidade ou rotina. Entrar na celebração implica sempre uma iniciação que se atualiza e uma graça (a celebração é um dom). Os átrios, os portões das igrejas querem nos recordar (como ensina o Catecismo, n. 1186). A celebração se articula, por sua vez, ritualmente, não se inventa, não se improvisa; o rito é um caminho já traçado, mas cada pessoa e cada comunidade deverá fazê-lo pessoalmente. Essa imutabilidade é um recurso pedagógico, não para instigar a rotina, mas para deixar livres as potências para a acolhida atual da graça que é o verdadeiramente sempre o novo da celebração. E o ritual é gradual, integra diversos momentos e passos que, pouco a pouco, nos conduz ao cume da celebração. Nem todos na celebração podem ser iguais ou ter o mesmo significado.
As ações litúrgicas cristãs situam seu cume no momento do encontro sacramental com Cristo, não se trata de uma simples noção, de uma mensagem a transmitir, mas de um encontro interpessoal, de um encontro entre o homem e Deus. Por isso não bastam os meios de comunicação para uma verdadeira participação litúrgica, é necessário a presença ritual, o contato. E este encontro pessoal não deixa nunca de ser uma teofania, ainda que Deus chegue a nós mediante a Igreja e através dos modestos sinais sacramentais. Por isso a celebração não pode perder de vista seu centro divino nem esquecer as exigências antropológicas da verdadeira experiência sobrenatural. A Liturgia precisa por isso, como de algo peculiar, do silêncio e das atitudes físicas e mentais de adoração. Também nos sinais se manifesta a gradualidade do rito. Os diversos livros litúrgicos cristãos, com a previsão de textos e gestos, vêm servindo a todos estes requerimentos da natureza da Liturgia. Sua história nas diversas famílias litúrgicas do Oriente e do Ocidente merece sempre um cuidadoso estudo. E nelas sempre se cuidou do espaço para expressar as dimensões do tremendo e fascinante da realidade sagrada.
É verdade que Cristo já ganhou para Deus o universo inteiro. Que o sagrado não se esconde  em um nicho (fano) enquanto o caos domina o mundo externo por inteiro (profano), mas que tudo já é, em penhor, sagrado. Mas esta sacralidade está submetida, até a parusia, a um ocultamento que vai desvelando-se paulatinamente. Enquanto isso o cristão vive o sagrado sacramentalmente. Manifesta-se nos sinais e ritos cristãos e manifestando-se avança para seu pleno desvelamento. Por isso agora o sagrado não se opõe ao profano, é a revelação da verdade oculta do profano, a manifestação de sua “vocação” e plenitude. Os cristãos com sua Liturgia e com sua vida vão incluindo tudo no desígnio salvador de Deus e assim se opera o verdadeiro progresso do ser humano da criação inteira. É o sentido da Liturgia das Horas e das diversas Bênçãos, que evidenciam as consequências da Páscoa de Cristo em todas as realidades do mundo e da vida e atividades humanas.
Tudo isso nos ajuda a compreender uma afirmação precisa e fundamental  do Concílio, quando diz na SC, n. 10:
“a liturgia é o cume ao qual tende a ação da Igreja e, ao mesmo tempo, a fonte de onde emana toda sua força... da liturgia, sobretudo da Eucaristia, emana para nós, como de uma fonte, a graça e com a máxima eficácia se obtém a santificação dos homens em Cristo e a glorificação de Deus, a qual tende todas as demais obras da Igreja como a seu fim”.
Completando assim o que se disse no número 7:
“[a celebração litúrgica]... é ação sagrada por excelência cuja eficácia, com o mesmo título e o mesmo grau, não iguala nenhuma outra ação da Igreja”.
Sendo que a participação na ação litúrgica requer uma preparação prévia (SC 11 e 15-20), a ação encerra também, em si mesma, um grande ensinamento (SC 33-36) e possui inclusive, face aos crentes de outras religiões ou ante os não crentes, uma forte dimensão apologética: mostra a genuína  natureza da Igreja (SC 2), seu Mistério e estrutura hierárquica (LG 26) e sua essencial missão evangelizadora (CEC 1332, 849-851).

4. Perspectivas da Liturgia hoje

Quando nossa reflexão sobre a Liturgia vai se concluindo não posso menos que me perguntar: e para onde caminha hoje a Liturgia da Igreja? O Sínodo extraordinário de 1985 ofereceu duas orientações nesta matéria: a primeira que a Igreja se esforçasse por recuperar em sua Liturgia o valor do sagrado (a dimensão religiosa da Liturgia; o primado de Deus); em segundo lugar que se cuidasse da catequese de tipo mistagógico. Aos 25 anos do Concílio João Paulo II em VQA indicava duas linhas para a tarefa litúrgica da Igreja, um grande empreendimento de formação e o desafio da adaptação e inculturação.
Nestes outros 25 anos transcorridos, e especialmente durante o pontificado de Bento XVI e após seu motu próprio “Summorum pontificum”, falou-se muito de reforma da reforma e inclusive de involução litúrgica (ou restauracionismo). Mas tudo isto deve-se matizar muito, se formos à letra e intenção das determinações do papa Ratzinger. Sua posição ficou clara em sua obra litúrgica, publicada no primeiro volume editado de suas obras completas e no magnífico discurso ao clero de Roma na quinta-feira 14 de fevereiro de 2013. No motu próprio “Quaerit semper”, reformando a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos dizia também com claridade que queria que esta se dedicasse, como a sua tarefa prioritária, a “promover a renovação litúrgica segundo a Sacrosanctum Concilium”.
A Congregação quisera por isso suscitar uma nova aparição do movimento litúrgico que provocasse as condições para uma grande empresa de formação em todos os níveis (bispos, professores, sacerdotes e consagrados, fieis em geral, adultos, jovens e crianças) e um forte desejo por cuidar do que se refere ao culto divino, sua verdade, esplendor e a participação completa e frutuosa de todos no mesmo. Assim como uma insistência na dignidade da celebração que se converta em verdadeira ars celebrandi, que instigue em todos a genuína participação. Participação que exige os oportunos níveis de adaptação e inculturação, que vão desde a presença de algumas traduções em língua vernácula (totais ou parciais da liturgia) a grandes mudanças como as do apêndice zairense ao Missal Romano (salva a unidade substancial do Rito Romano: cf. SC 38), mas que sobretudo requer o reconhecimento e aceitação, como vimos, da genuína natureza da Liturgia e sua assunção como fator determinante da vida cristã.
Detrás de muitos defensores das “antigas formas” do culto católico há não pouco de formalismo ou de esteticismo; detrás de muitos apaixonados pela “nova liturgia” há não poucos que não consideram o valor da tradição ou o sentido da Liturgia. Todos devemos nos encontrar, dentro das legítimas sensibilidades espirituais ou teológicas, na verdade que a Igreja professa sobre sua Liturgia tal e qual ensinou o Vaticano II na Sacrosanctum Concilium ou como o faz o Catecismo da Igreja Católica, em segunda parte dedicada à “Celebração do Mistério da Fé”.
Como indicamos, ao longo da presente exposição, fica claro que no centro da ação da Igreja está a Liturgia, que o núcleo da dita Liturgia é a celebração da Eucaristia e o momento culminante, envolto em adoração e silêncio, de cada Eucaristia está na Oração Eucarística, com o relato da instituição, a Consagração, e a comunhão. E hoje, no mundo inteiro, o movimento que aglutina maior número de fiéis é precisamente o da adoração eucarística, que nasce da celebração e participação, e prolonga a adoração e o silêncio de acolhida, fundando na rocha, a vida cristã e sustentando toda evangelização e caridade. Um movimento suscitado pelo Espírito Santo, que permitiu ao papa Bento XVI falar de uma primavera eucarística na Igreja. Tais forças e iniciativas terão que ser acompanhadas e tuteladas pelos pastores da Igreja, para que não se corrompam e cheguem a produzir frutos esplêndidos.
A Igreja de Comunhão do Vaticano II produzirá seus esperados frutos, entre perseguições e provas, como sempre foi, quando Igreja em oração e adoração, Igreja que fecunda as sementes da comunhão e o dom divino no silêncio da adoração e no louvor gozoso do culto. Como reflete maravilhosamente os números 83-88 da SC, falando do Ofício Divino, a Igreja do Concílio é uma Igreja Mistério, Igreja de santidade e de louvor e adoração a Deus, que assim se faz instrumento de unidade e de paz entre os homens e testemunho de um amor que comparte com todos, com sensibilidade e parresia (levando-lhe assim a Palavra e os Sacramentos, o Dom de Deus em Cristo). É a Igreja que reflete com acerto o livro dos Atos dos Apóstolos (2,42): “E perseveravam no ensinamento dos apóstolos, na comunhão, na fração do pão e nas orações”. E esta Igreja, longe de ser medrosa e estéril foi Igreja de caridade, evangelização e martírio. E assim se repetiu ao longo da história. Aqui estão as chaves da regeneração e da evangelização, aqui o segredo da vitalidade das comunidades, de sua capacidade de fazer novos cristãos e de suscitar em seu seio vocações aos diversos estados de vida.
Como confessa o primeiro número da Sacrosanctum Concilium, primeiro documento do Vaticano II, seu cuidado e promoção, são a chave de toda renovação eclesial, e ao mesmo tempo, o princípio da atuação de uma Igreja que quer amar e santificar o mundo, hoje.





[1] Mons. Juan Miguel Ferrer, subsecretário da Congregação para o Culto Divino e a disciplina dos Sacramentos, explica o valor que tem a liturgia – segundo o Concílio Vaticano II – para responder ao mundo moderno. Cristo está presente na ação litúrgica, que possui uma força capaz de atrair e transformar a criação inteira. “A Igreja evangeliza e se evangeliza a si mesma com a beleza da liturgia, a qual também é celebração da atividade evangelizadora e fonte de um renovado impulso oblativo” (papa Francisco, Exortação Apostólica Evangelii Gaudium).