TRÍDUO PASCAL:
FONTE E FIM DO ANO LITÚRGICO
Manoel Gomes Filho
Este
trabalho tem como objetivo entender o Tríduo Pascal em suas dimensões
histórica, teológica e pastoral. A partir da leitura de autores reconhecidos e
de alguns textos da Congregação para o Rito e a Disciplina dos Sacramentos,
buscamos entender como foi sendo formado o que hoje conhecemos como Tríduo Pascal
e como ele se apresenta atualmente. Algumas orientações mais no viés pastoral
também serão expostas para uma melhor celebração do Mistério da Salvação.
1 Tríduo Pascal: sentido e estrutura
Celebrar o
Tríduo Pascal é voltar-se para o Mistério da Redenção, consciente que nestes
dias faz-se memória dos acontecimentos salvíficos de nossa fé. Não se trata
apenas de fazer memória, no sentido comum da expressão, mas revivendo cada
mistério celebrado nestes dias. O Tríduo Pascal está na origem histórica e
teológica de todo o Ano Litúrgico. Todas as celebrações litúrgicas têm sentido
somente a partir da Páscoa. É por isso que precisamos compreender bem seu
sentido e sua estrutura.
As Normas
Universais sobre o Ano Litúrgico trazem de maneira clara e direta o sentido e a
importância destes dias:
Como o Cristo realizou a obra da redenção humana e da
perfeita glorificação de Deus principalmente pelo seu mistério pascal, quando
morrendo destruiu a nossa morte e ressuscitando renovou a vida, o sagrado
Tríduo pascal da Paixão e Ressurreição do Senhor resplandece como o ápice de
todo o ano litúrgico. Portanto, a solenidade da Páscoa goza no ano litúrgico a
mesma culminância do domingo em relação à semana.[1]
Embora toda
a vida, ensinamento e atitudes de Jesus façam parte de sua obra salvadora, foi
por meio do mistério pascal que ele nos redimiu. Celebrar a Paixão, Morte e
Ressurreição de Cristo é, portanto, atualizar, individual e comunitariamente,
aquilo que ele realizou por todos e por cada um nos seus últimos dias.
É
importante salientar que o Mistério celebrado nesses dias não se divide em
partes independentes. Uma dimensão leva à outra, interligando-se e formando uma
unidade. Segundo E. Aliaga, “esse tríduo é a própria realidade da páscoa do
Senhor celebrada sacramentalmente em três dias, cujo centro de gravitação se
acha obviamente na vigília pascal com sua celebração eucarística”.[2]
Trata-se, como se percebe, de um Mistério que é celebrado sacramentalmente em
momentos distintos, mas não se deve tentar explicar uma destas partes sem levar
em conta o todo.
No decorrer
dos séculos, como será possível notar no próximo subtítulo, a celebração do
tríduo se deu de diversas maneiras e foi passando por uma evolução até chegar à
atual estrutura. Essas mudanças se deram tanto na organização das celebrações
dentro do tríduo como na definição da exata extensão desse tempo sagrado.
Hoje temos
a seguinte estrutura: “o Tríduo da Paixão e Ressurreição do Senhor começa com a
Missa vespertina na Ceia do Senhor, possui o seu centro na Vigília Pascal e
encerrando-se com as vésperas do domingo da Ressurreição”.[3]
A liturgia
da Igreja em suas solenidades utiliza-se do modo judaico de contar os dias. Não
se começa a calcular as horas a partir da meia-noite, mas do anoitecer do dia
anterior. Os dias que formam o Tríduo Pascal são, desse modo, Sexta-feira
Santa, Sábado Santo e Domingo de Páscoa. A Quinta-feira Santa é “o dia anterior
à Páscoa” ou “a quinta-feira da última semana da Quaresma”. Já Santo Agostinho
em uma de suas epístolas (54,5-6: PL 33, 202) chamava desse modo a nossa
Quinta-feira Santa.
Por
influências que veremos mais adiante, alguns particulares históricos foram
sendo muito valorizados na celebração do mistério pascal. Eles foram
importantes na formação do Tríduo como nós o celebramos, mas não podem ser
supervalorizados. A. Bergamini faz, nesse sentido, uma importante advertência:
Não
pode entrar no espírito da celebração litúrgica desses dias, no mistério
profundo da Páscoa, aquele que se atém somente a alguns aspectos parciais das
celebrações, aos particulares históricos (embora eles tenham influenciado na
formação dos ritos), ao aspecto devocional para cada um dos momentos da paixão
e da vida gloriosa do Senhor. Pode entrar no mistério, com a graça do Espírito
Santo, somente quem se coloca do ponto de vista bíblico-tipológico e procura
colher a unidade e a totalidade do mistério pascal (por exemplo, os sinais
dados por Cristo, o sinal de Jonas no ventre do peixe, o templo destruído e
reedificado em três dias etc.).[4]
O Tríduo
está organizado de maneira a levar os fieis a trilharem com Cristo o caminho
que o levará à Paixão e, três dias depois, à glorificação. Para isso é
necessário ter um espírito de profunda união com Cristo e com a Igreja.
Geralmente esses três dias são dos mais participados nas comunidades, e é bom
que seja! Não se quer dizer que é bom que as pessoas não frequentem a igreja
durante todo o ano. Mas esse fato mostra a importância que esses dias têm na
consciência das pessoas. A partir deles, contando com uma boa catequese, talvez
fosse possível conduzir estas pessoas a uma participação mais plena na Igreja.
2 Tríduo Pascal: breve percurso histórico
2.1 Da páscoa judaica à Páscoa cristã
É incontestável que a Páscoa
cristã tenha sua origem na páscoa judaica. Jesus, os apóstolos, assim como os
primeiros cristãos convertidos do judaísmo, celebraram todos os anos essa festa
que, entre outros elementos, define a identidade daquele povo. É necessário,
por isso, um olhar sobre a transição da páscoa do Antigo Testamento para a
Páscoa cristã.
Dois textos
do Antigo Testamento falam da origem da celebração da páscoa. O primeiro (Ex
12) apresenta o sentido teológico da páscoa e mostra como Deus passou no meio
do povo, quando este era escravo no Egito, para ferir os egípcios e salvar os
israelitas. Neste primeiro texto é, portanto, “Deus que passa”. O segundo (Dt
16) volta-se para a salvação do povo, ou sua passagem da escravidão para a
liberdade. Desse modo, é “o homem que passa”. Para o judaísmo palestinense,
este não foi um grande problema. Ele se esforçará para manter a unidade do
sentido teológico e seu caráter sacrificial.
No
princípio, a celebração da páscoa era de caráter familiar. É o que nos diz
Aliaga:
A celebração pascal
incialmente era feita no seio familiar e tinha como vítima uma cabeça de gado
miúdo, mas logo se passou a uma celebração realizada por Israel em um único
sacrifício cultual centralizado em Jerusalém tendo um cordeiro ou mesmo um
touro por vítima (cf. Dt 16).[5]
Um aspecto
que não pode ser negligenciado é da atualização daquilo que se celebrava na
páscoa. Para o judeu, celebrar a páscoa não é simplesmente lembrar algo que ficou
no passado. Trata-se de se incluir de tal modo na celebração, como se Deus
realizasse aqueles feitos a cada celebração. Em relação a esse ponto não se
pode deixar de citar o rabino Gamaliel:
Em cada geração cada um pode considerar-se a si mesmo
como se tivesse pessoalmente saído do Egito, como diz a Escritura: E tu dirás a
teu filho neste dia: Tudo isso fez o Senhor por mim quando saí do Egito. O Deus
santo – que seja bendito – não redimiu somente nossos pais, mas nós com eles,
como diz a Escritura: Ele nos tirou de lá também a nós para conduzir-nos à
terra que tinha prometido com juramento a nossos pais.[6]
Além do
judaísmo palestinense havia aquele da diáspora helenística. Para esses, era
impossível ir até Jerusalém para a celebração da páscoa. Para eles,
especialmente por obra de Fílon de Alexandria, acentuaram-se muito os aspectos
moral e espiritual dessa celebração. Páscoa para os judeus da diáspora era
quase exclusivamente passagem do vício à virtude.
Torna-se
quase desnecessário falar da centralidade ocupada pela celebração da páscoa nas
comunidades apostólicas. Basta olhar com atenção as narrativas presentes nos
Evangelhos. A visão de messianismo presente nos Evangelhos é iminentemente
pascal. Jesus deve libertar o ser humano do pecado e conduzi-lo à vida plena
com Deus. Também se dá muita importância às três últimas páscoas de Jesus como
momentos importantes de sua vida pública. O fato de Jesus morrer
coincidentemente durante a páscoa judaica significa essa íntima relação.
O que
diferencia, então, a Igreja do restante do judaísmo? Para Alioga, a Igreja é
levada “a celebrar não mais a páscoa ‘figurativa’ (= recordação dos fatos no
Êxodo), mas a páscoa da libertação que se realizou no Messias Jesus”.[7] A
dimensão escatológica da páscoa judaica (a espera de um Messias libertador) é
entendida pelos cristãos como já realizada.
2.2 A celebração da Páscoa nos primórdios da Igreja
Não se tem
nenhum documento que comprove a celebração da Páscoa já nos tempos apostólicos.
Embora isso possa parecer um pouco estranho, não é. Basta recordar que, no
princípio, a Igreja era parte integrante da tradição judaica. Para essa
tradição, como vimos, a páscoa era fato estabelecido. Por isso não devemos nos
espantar pelo fato de não termos dados que comprovem a celebração pascal no
tempo dos apóstolos. Para eles, era desnecessário documentar isso.
Apesar
dessa carência documental, muitos autores são do parecer que já existia uma
nova compreensão pascal nas comunidades apostólicas. Para isso, utiliza-se
muito o texto de Paulo aos coríntios (I Cor 5,7s). Paulo, de fato, diz: “Pois
nossa Páscoa, Cristo, foi imolado” (v. 7b). Entenda-se, aqui, Páscoa como
cordeiro pascal. Por necessidade lógica, Alioga conclui: “uma vez admitido que
a imolação do cordeiro era celebração anual, e que a imolação de Jesus
substituíra a do cordeiro, era lógico admitir que a imolação de Jesus também se
celebrava anualmente”.[8]
As próprias
narrativas da Última Ceia deixam transparecer alguns elementos da celebração
eucarística, o que leva a crer que havia, sim, uma celebração pascal cristã já
nas primeiras comunidades.
É inegável
o novo sentido dado à páscoa pelos cristãos. E é esse sentido que indica a
existência da páscoa cristã nas comunidades apostólicas. Adolf Adam é desse
parecer. Segundo ele,
Esta nova plenitude de sentido conferida à festa
judaica nos permite supor que as comunidades apostólicas já celebravam com
intensidade a memória do mistério pascal nos dias da festa da Páscoa judaica,
embora a separação da celebração cristã em relação à festa judaica como dia de
comemoração da história da salvação só aos poucos se tenha processado nas
comunidades judeu-cristãs.[9]
2.3 A Páscoa cristã no seu desenvolvimento histórico
No período
entre os séculos II e IV, a Páscoa cristã era basicamente um culto litúrgico
antecedido por dois dias de jejum. O caráter penitencial, recordando a paixão
de Cristo, era muito comum. Na própria festa judaica este sentido também está
presente, como nas ervas amargas, por exemplo.
Ainda no
século II surgiu uma grande disputa no seio da Igreja em relação à celebração
da Páscoa. Havia modos distintos de calcular os dias para esta celebração. Um
grupo defendia que a Páscoa deveria ser celebrada sempre no dia 14 de Nisan,
independentemente do dia da semana em que caísse, assim como os judeus. O outro
grupo celebrava a Páscoa no domingo seguinte ao 14 de Nisan. O primeiro grupo
era formado principalmente por Igrejas da Ásia Menor e da Síria; o segundo,
pela Igreja de Roma e a maior parte das outras Igrejas.
Havia também
alguns elementos comuns entre os dois grupos: ambos celebravam a Páscoa como
uma festa litúrgica antecedida por dois dias de jejum e tinham como objetivo o
mistério pascal em seu sentido amplo, embora os quartodecimanos pusessem o
acento mais na morte redentora de Cristo e o outro grupo na sua Ressurreição.
Na busca de
um consenso o papa Victor fez convocar sínodos em várias Igrejas, inclusive nas
de tradição joanina, para debater essa questão. Na ocasião, definiu-se que o
uso a ser assumido por todas as Igrejas era o romano. No entanto, foi preciso
esperar o Concílio de Niceia, em 325 para uma definição mais rigorosa.
Embora essa
problemática pareça algo distante no tempo, não é. Em tempos recentes aumentou
o desejo de fixar uma data para a celebração da Páscoa. O Concílio Ecumênico
Vaticano II discutiu essa questão e declarou no apêndice à Constituição Sacrosanctum
Concilium: “O sagrado Concílio não se opõe à fixação da festa da Páscoa em
um domingo certo do Calendário Gregoriano, com o consentimento dos
interessados, principalmente os irmãos separados da comunhão com a Sé
Apostólica”.
A Páscoa
foi a única festa anual da Igreja, ao menos até fins do século III. O
desenvolvimento desta festa se deu a partir da Vigília pascal, que celebra a
morte e ressurreição de Jesus, ou seja, a passagem da morte para a vida.
Neste
período, a Vigília era celebrada durante a noite inteira. Os fieis acompanhavam
essa passagem ouvindo leituras bíblicas e participando das orações e do canto
dos salmos. As Igrejas escolhiam as leituras da celebração de acordo com a
tradição pascal de cada uma. Na de Roma sabe-se que se lia a narrativa da
criação, a instituição da Páscoa e a travessia do Mar Vermelho. Vários
testemunhos, como o de Hipólito e Tertuliano, apresentam a praxe de celebrar o
batismo durante a Páscoa. A Eucaristia era celebrada ao amanhecer, iniciando
assim o tempo pascal ou Pentecostes.
No século
IV aparece um fator importante na história da formação do Tríduo pascal. Nesse
período, “começa a aparecer a tendência de historicizar as narrativas dos
Evangelhos, especialmente em Jerusalém, onde se podia seguir melhor, nos
próprios lugares, o desenvolver-se dos acontecimentos da paixão e da
ressurreição do Senhor”.[10]
Essa
historicização vai contribuir muito para a elaboração das celebrações, mesmo
fora de Jerusalém. Mas esse fator também teve seu lado negativo. Isso porque,
embora a celebração do mistério pascal continue por um tempo de forma unitária,
“logo, porém, aquilo que parecia um enriquecimento resultou num fator que não
só desagregou a unidade do mistério pascal, mas também desviou a atenção do
essencial”.[11]
Nos
próximos parágrafos falaremos sobre alguns desses “desvios”.
A
instituição da Eucaristia na Quinta-feira Santa começou a ser excessivamente
valorizada. Com isso, o centro de toda a celebração pascal, a Eucaristia
celebrada na Vigília pascal, deixou de ser o destino das atenções. Essa
lembrança da instituição termina levando ao rompimento da unidade do Tríduo. Em
vez de ter como dias constituintes sexta-feira, sábado e domingo, passa a ter
quinta-feira, sexta-feira e sábado. Isso porque a instituição entra no cálculo
dos três dias santos.
Três ritos
serão acrescentados à liturgia da Quinta-feira Santa com o passar do tempo: a
transladação do Santíssimo, o desnudamento do altar e o lava-pés.
A
transladação do santíssimo tem sua origem em um gesto prático surgido
principalmente a partir dos séculos XIII-XV, juntamente com a devoção “visível”
da hóstia. O gesto consistia em guardar o pão eucarístico sobrante da Missa.
O gesto do
desnudamento do altar era exclusivamente funcional até ao menos o século VII.
Nessa época, o altar era revestido por toalhas somente para a celebração da
Eucaristia. Após seu término, ele deveria ser desnudado. Com o tempo esse gesto
foi sendo interpretado e dramatizado, percebendo-se nele uma lembrança do
desnudamento de Cristo.
O lava-pés
já é atestado no século V, em Jerusalém. Difundiu-se por todo o Oriente e
Ocidente, embora com formas e em momentos distintos. Seu surgimento está
diretamente ligado à “comemoração histórica” dos acontecimentos pascais.
A
Sexta-feira Santa foi entendida algumas vezes de modo desvirtuado. Foi vista
como lembrança da morte de Cristo, mas sem ligação com sua ressurreição.
A
celebração deste dia era basicamente a liturgia da Palavra. É o que nos diz
Alioga: “no início, a liturgia da palavra estava em primeiro lugar: tratava-se
de um dia alitúrgico (como a quarta-feira), dia de jejum e, por isso, sem a
liturgia eucarística e limitado à liturgia da palavra”.[12]
O rito da
adoração da cruz, já descrito por Etéria no século IV, é introduzido em Roma
nos anos 700-750. Neste rito sobressai a entrada solene da cruz, com aclamação
“Eis o lenho da cruz... Vinde adoremos!”. Essa aclamação deve ser vista em relação
com a da Vigília pascal: “Eis a luz de Cristo!”. Essa relação faz com que o
mistério da morte não seja entendido como parte independente da ressurreição.
O desvio
que esse rito introduz na celebração pascal é a passagem da contemplação para a
representação. Enquanto no início os fieis contemplavam o mistério da morte do
Senhor por meio da escuta da palavra, agora passa-se a uma espécie de
representação visível que desembocará na Via Sacra.
Outro
desvio foi em relação à comunhão neste dia. Com a introdução da comunhão,
esqueceu-se o significado do jejum intrapascal que só terminava com a comunhão
na noite de Páscoa. No século VIII, em Roma, o papa e os diáconos não comungam.
Quem desejar comungar deve buscar outras igrejas de Roma e comungar do que tivesse
sobrado da celebração do dia anterior.
Em relação
ao Sábado Santo, o principal desvio foi a antecipação sempre mais gritante da
hora da Vigília. A partir do século IV, por diversos motivos, o horário da
Vigília foi sendo cada vez mais antecipado. Entre os séculos VII e X o início
da Vigília (que já não era vigília) era marcado para 13 ou 14 horas.
Advertia-se, no entanto, para que o Glória não fosse cantado antes da primeira
estrela despontar no céu. Assim, o povo não seria despedido antes da meia-noite.
Após o século XII aconteceram mais intervenções para antecipar a celebração e a
partes de São Pio V começou-se a celebrar na hora terceira (9h).
Essa
mudança de horário da Vigília ocasionou, evidentemente, a quebra da unidade do
Tríduo pascal. Além disso, existia um contraste entre os textos litúrgicos e o
momento em que se dava a celebração.
Somente no
pontificado de Pio XII o Tríduo pascal começa a reconquistar sua liberdade. Foi
permitida a celebração do novo Ordo do Sábado Santo e da Vigília pascal por
três anos ad experimentum. A experiência deu certo e houve muita adesão.
Por isso, em 1957 o papa Pio XII aprovou definitivamente o novo Ordo que
colocava a missa “in Cena Domini” na noite da Quinta-feira Santa, o solene ato
da Sexta-feira Santa por volta das 15h e não depois das 18h e a Vigília pascal
na noite do Sábado Santo.
3 Tríduo pascal: dias e celebrações
3.1 A missa
vespertina “In Cena Domini”
A noite da Quinta-feira
Santa, a partir da concepção judaica de tempo já comentada, faz parte do
primeiro dia do Tríduo pascal, isto é, da Sexta-feira Santa. Foi nesta noite
que Cristo celebrou a Última Ceia, antecipação de sua entrega na Cruz, realizou
o lava-pés, gesto de amor e serviço, sofreu a angústia e foi preso.
Este dia
celebra sacramentalmente aquilo que o Tríduo celebra historicamente. Temos aí
duas dimensões do mistério pascal: histórica e ritual. Segundo Bergamini, o que
“deve ser bem sublinhado a respeito da celebração da missa ‘in Cena Domini’ é a
‘dimensão ritual’, ou seja, o rito memorial, que torna presente o mistério
pascal de Cristo”.[13]
Deve-se
cuidar para que não se apresente essa missa como a “comunhão pascal”. Como já
foi visto, a verdadeira Eucaristia da Páscoa é a da Vigília do sábado à noite.
A
celebração da Páscoa, que é fundamentalmente a celebração do rito eucarístico,
está ligada intimamente à páscoa história. Tanto a judaica como a cristã
celebram um fato histórico e esperam um cumprimento definitivo. Na história da
salvação devem ser consideradas quatro páscoas: a Páscoa do Senhor, a Páscoa
dos judeus, a Páscoa de Cristo e a Páscoa da Igreja.
Percebe-se
nas rubricas do Missal romano um caráter fortemente comunitário em relação a
esta celebração. Orienta-se a participação de todo o povo, ministros e fiéis, e
proíbe-se, segundo antiga tradição, toda missa sem povo. O desejo da Igreja é
que todas as atenções se voltam para esta celebração, memorial do sacrifício de
Cristo, e que o povo de Deus seja o sujeito desta celebração.
A liturgia
da Palavra dessa celebração funciona como uma “dobradiça” entre a páscoa do
Antigo Testamento e a cristã. Temos a narrativa da instituição da Páscoa, o
sentido pascal da ceia e cristã e, por último, o Evangelho que traz o gesto de
serviço realizado por Jesus na última Ceia.
O rito do
lava-pés já existia na época de Agostinho. Desapareceu por um tempo e ressurgiu
nos mosteiros como lava-pés dos pobres e dos irmãos do mosteiro. O missal de
São Pio V previa esse rito no fim da missa; pela reforma de Pio XII, ele passa
para depois da homilia. Trata-se de gesto muito eloquente. Uma advertência,
entretanto, faz-se necessária:
O rito deve ajudar a
compreender melhor o grande e fundamental mandamento da caridade fraterna. Do
contrário, se for apenas uma representação mais ou menos cênica, sentimental e
isenta de autenticidade, é melhor deixa-la de lado e substitui-la por algum
gesto mais verdadeiro e concreto de exercício de caridade; por exemplo, a
apresentação das ofertas para os pobres, no início da liturgia eucarística.[14]
Os textos
da oração da Igreja nesta noite enfatizam a instituição da Eucaristia, do
sacerdócio e o mandamento do amor, tudo num tom de profunda alegria. São
previstas algumas variantes no texto do Cânon I para esta noite. Sua intensão é
sublinhar o “hoje” da liturgia. O “hoc est, hodie” é talvez o melhor exemplo
dessas variantes.
Terminada a
liturgia eucarística, os dons pré-santificados para a celebração do dia
seguinte são transladados solenemente para uma capela ou altar secundário para
adoração dos fiéis. Essa adoração é costume antiquíssimo, junto com o jejum que
deveria lembrar o tempo que Jesus passou no sepulcro. Irineu e Agostinho já deu
testemunho desse costume.
Em respeito
à significação própria dos dias que compõem o Tríduo pascal a adoração deve ser
encerrada meia-noite ou, se continua-se depois desse horário, sem nenhuma
solenidade. A adoração da Quinta-feira Santa deve ser feita sempre com o
tabernáculo fechado e nunca deve-se usar o ostensório.
3.2 Sexta-feira Santa, “Paixão do Senhor”
A liturgia
não considera a Sexta-feira Santa como um dia de luto ou de pranto, mas como
“dia de amorosa contemplação” do sacrifício redentor de Cristo. Não se trata de
um funeral, mas da celebração da morte vitoriosa do Senhor. Sempre que
possível, o ato litúrgico deve ser celebrado às 15h, hora da morte de Jesus.
O rito
deste dia compõe-se de três partes: liturgia da palavra, adoração da cruz e
comunhão.
A liturgia
da palavra desta celebração conserva a forma mais antiga de celebração da
palavra. Sem muitos ritos introdutórios, colocam-se os fiéis à escuta da
Palavra. Na primeira leitura temos o quarto cântico do servo sofredor que é o
mais rico do ponto de vista teológico. O servo sofredor não é vítima de suas
culpas, mas está nessa condição por sofrimento “vigário”. Na segunda leitura,
temos descrição de Cristo como sumo-sacerdote, digno de toda confiança e
fidelidade. A atitude de obediência de Cristo é enfatizada e sua mediação
também recebe certo relevo.
No Evangelho, temos a narrativa
da paixão segundo João. Dois traços de Jesus sobressaem nesta paixão: a
completa liberdade de Cristo e sua perfeita consciência. Temos também aí, como
influxo da morte de Cristo, um caráter sacerdotal e o prolongamento
sacramental. Ainda é possível perceber a relação existente entre o Calvário e
Caná, onde Maria também é chamada de “Mulher” e ouve falar de uma hora
anunciada que se cumpre no Calvário. Também há uma relação entre Eva e Maria. A
primeira ao lado de Adão, causa de morte; a segunda, ao lado de Cristo, que é
causa de salvação para todos.
Após as
leituras, passa-se para a solene oração dos fiéis. Esta oração da Sext-feira
Santa é de muita importância para a Igreja, conforme nos diz Adam:
A “grande oração universal” é
uma rocha primitiva da Igreja dos primeiros séculos, que se conservou até nosso
dias, enquanto as demais orações dos fiéis, usuais em todas as celebrações de
Roma, em outros tempos, e conhecidas também sob o título de “oração comum” ou
“oração universal”, caíram em desuso e no esquecimento durante muitos séculos e
só foram reintroduzidas pelo Vaticano II.[15]
A atual estrutura dessa oração é
proveniente do século V, mas acredita-se que seu conteúdo seja bem anterior.
Compõe-se de um convite à oração por parte do sacerdote, um tempo de silêncio,
e a oração propriamente dita. O costume de ajoelhar-se e levantar-se em cada
oração pode ser mantido. O papa Paulo VI fez mudanças importantes no texto
dessa oração. Substituiu, por exemplo, a expressão “hereges e cismáticos” por
“todos os irmãos que acreditam em Cristo”.
No momento
em que se iniciaria a liturgia eucarística, tem lugar o rito da adoração da
cruz. Neste dia não se celebra a Eucaristia: as atenções se voltam para o
sacrifício cruento de Cristo e não para seu rito memorial. No entanto, deve-se
esclarecer aos fiéis que “o verdadeiro mistério da cruz torna-se presente na
missa e não na veneração da imagem do crucifixo”.[16]
O rito
consiste na apresentação cruz com a aclamação “Eis o lenho da cruz, do qual
pendeu a salvação do mundo” a qual o povo responde “Vinde adoremos!” e à
adoração manifestada pela genuflexão, pelo beijo ou outro sinal adequado.
Para
Alioga, “as origens históricas deste rito devem sem dúvida sem dúvida ser
buscadas em Jerusalém, onde o encontramos já no séc. IV, sendo-nos conhecido
graças a Egéria e Cirilo de Jerusalém”.[17] Com
o tempo, este rito foi sendo assumido por diversas Igrejas assumindo, muitas
vezes um caráter dramático diferente da sobriedade das Igrejas de Jerusalém e
de Roma.
Na própria
adoração da cruz já se encontram elementos que relacionam a morte de Jesus com
sua ressurreição. Trata-se de uma celebração épica da vitória de Cristo sobre o
pecado, por meio da cruz.
Depois da
adoração da cruz passa-se para a comunhão. Essa parte da celebração é, sem
dúvida, a que mais causou discussões ao longo dos séculos. De fato, sabe-se que
na Igreja de Roma, até o século VII não se comungava neste dia. Há uma
justificativa muito bonita do papa Inocêncio I: nestes dois dias os apóstolos
estavam escondidos e com medo e certamente jejuaram. Por isso criou-se a
tradição de não celebrar a Eucaristia neste dia.
Com a
reforma realizada no pontificado de Pio XII introduziu-se a comunhão na
celebração da Sexta-feira Santa, não sem grandes discussões. Isso porque essa
prática aumenta consideravelmente o risco de desfocar a atenção do ponto
culminante da Páscoa: a participação à Eucaristia na Vigília Pascal.
A
celebração encerra-se com uma oração e uma benção sobre o povo. Pede-se a
benção de Deus para que os que celebraram a morte de Cristo participem de sua
ressurreição.
Por
tradição muito antiga, a Sexta-feira Santa é dia de jejum. Tertuliano e
Hipólito nos informam que em Roma este jejum era observado na sexta e no
sábado, de maneira muito rigorosa e só se encerrava com a comunhão na noite de
Páscoa. Outros gestos também eram assumidos como participação da Igreja na
morte do Senhor: não se dava o beijo da paz e se ajoelhava.
Demonstração
do rigor destes dias de jejum encontra-se nas palavras de Hipólito:
Na Páscoa, ninguém come
qualquer coisa antes que seja feita a oblação e para aquele que o fizer
diferentemente o jejum não será reconhecido. A mulher grávida e quem está
doente e não pode jejuar dois dias, vista a necessidade, jejuará somente no
sábado, contentando-se com pão e água.[18]
3.3 Sábado Santo, “Sepultura do Senhor”
O Sábado
Santo é o dia em que os fiéis são convidados a ficar juntos ao sepulcro,
contemplando o mistério da paixão e morte do Senhor e vivendo a expectativa
ressurreição. É dia alitúrgico (sem celebração eucarística) no qual o povo é
convidado a rezar a Liturgia das Horas, diferentemente da prática antiga, em
que nada se rezava.
Neste dia
celebra-se o mistério da descida de Cristo à mansão dos mortos. Este artigo foi
inserido tardiamente no Credo, mas os historiadores não hesitam em defender sua
origem na fé apostólica romana.
Este ponto
de fé tem alguns significados importantes: a) Jesus morreu realmente porque é
realmente homem. O fato de Jesus ter sido sepultado oficialmente é muito
importante e não por acaso está na forma mais antiga do kérygma. b) A
solidariedade de Jesus, morto na cruz, com todos os homens mortos. Segundo o
grande teólogo Hans Urs von Balthasar, “o estar do Redentor com os mortos, ou
melhor, com aquela morte que somente faz com que os mortos sejam realmente
tais, é a última consequência da missão redentora recebida do Pai”.[19]
c) O “caminho dos mortos” afirma-se a partir da fé na ressurreição, ou seja,
para Cristo, “descer à mansão dos mortos equivale a enfrentar a morte, na
esperança de que o Pai a vencerá, não somente para ele, mas para todos”.[20]
d) “Confessar que Jesus desceu à mansão dos mortos, equivale a confessar um
evento salvífico que ilumina também hoje, a situação do homem diante de Deus e
o livra da perdição”.[21]
O mistério
deste dia santo deve ser vivido no silêncio e na meditação. A Igreja bizantina
convida os fiéis a estas atitudes com as seguintes palavras: “Permaneça mudo
todo mortal e fique com temor e tremor; não medite em nada que seja terreno”.
Neste dia,
Todo fiel é chamado à
contemplação, nutrindo o coração com os afetos sugeridos pela Liturgia das
Horas: a tranquilidade na paz de Deus, o repouso na esperança, a plena
confiança na palavra de Deus, a certeza do cumprimento das promessas divinas e
o abandono ao julgamento de Deus: ele glorificará o justo e lhe dará a
plenitude da vida.[22]
A Igreja
não deve esquecer que a Sexta-feira Santa e o Sábado Santo, constituíram a
crise mais profunda da fé a da esperança dos apóstolos. Nestes dias, somente
aquela criatura mais próxima do Senhor acreditou: Maria. Por isso, diz-se que
nestes dois dias toda a fé da Igreja está recolhida em Maria. Daí a consagração
do sábado como dia dedicado à Maria, dia que antecipa imediatamente o dies
dominicus.
3.4 Domingo de Páscoa: Vigília pascal na Noite Santa e Missa
do dia
A Vigília
pascal é o coração de todo o ano litúrgico. Poucas celebrações são ricas de
conteúdo e simbolismo como a desta noite.
Alguns
pontos são de fundamental importância para a compreensão do significado e valor
da Vigília pascal: a) Na celebração da páscoa judaica estava presente o aspecto
memorial, com o qual se celebrava as maravilhas realizadas por Deus, e também o
aspecto escatológico, olhando em direção à vinda do Messias libertador. b) Os
cristãos nesta noite vigiam para celebrar toda a economia da salvação, da
criação à parusia. Além disso, desde o século II, o caráter comemorativo
prevalece no conteúdo litúrgico e teológico da Páscoa. c) O objeto da
expectativa escatológica é essencialmente ultraterreno. Esta atitude de expectativa
deve caracterizar toda a vida do cristão. d) A realidade da “passagem”
celebrada pela Páscoa dá grande importância ao caráter noturno da Vigília
pascal. O texto do Exultet é prova dessa importância. e) “As primeiras
comunidades cristãs experimentavam tão vivamente o mistério desta noite a ponto
de considerar que não era permitido dormir. Todos velavam na expectativa do
Cristo Ressuscitado”.[23]
No Missal
de Paulo VI, a Vigília pascal está dividida em quatro partes: solene início da
Vigília ou “lucernário”; liturgia da palavra; liturgia batismal; liturgia
eucarística. Embora separados, estes ritos formam uma unidade e todos convergem
para a Eucaristia como momento culminante.
A primeira
parte da celebração, a celebração da luz, celebra o Cristo, luz do mundo. Nele,
todos somos chamados a ser luz. Neste momento, o sinal que resplandece é o
círio pascal aceso em meio às trevas.
O círio pascal tem
suas antiquíssimas raízes certamente no costume (observado em Roma) de iluminar
a noite com muitas lâmpadas. Nestas lâmpadas via-se simbolizado o Senhor
ressuscitado de dentro da noite da morte. Os dois círios originais do tamanho
de um homem tornaram-se, afinal, um único, ao qual a liturgia galicana
reservava uma benção especial e que os teólogos francos e galicanos, com seu
gosto pelas formas alegorizantes, enriqueceram com elementos carregados de
simbolismos.[24]
Apesar de toda a beleza deste
rito, deve-se lembrar que é apenas um rito inicial. Não deve ser valorizado
excessivamente. O mais importante não é a benção do fogo, mas o significado
pascal que ela assume. Já com o círio aceso, procede-se a procissão que
representa o seguimento a Cristo, Luz do mundo, e a caminhada do povo no
deserto guiado pela coluna de fogo.
Esta parte da celebração é
encerrada com o canto do Exultet. Trata-se de um magnífico canto,
atribuído a Santo Ambrósio, que anuncia a mensagem da ressurreição e celebra as
maravilhas realizadas por Deus nesta noite santa.
Passa-se em
seguida para o segundo momento da celebração: a liturgia da palavra. A Igreja
medita as maravilhas realizadas ao longo de toda a história da salvação e a luz
do círio dá lugar à realidade de Cristo, luz do mundo, presente em sua palavra
lida na Igreja. Esta é parte fundamental da Vigília pascal. Por isso, sempre
que possível, sejam lidas as nove leituras propostas para este dia. Quando não
é possível, proclame-se ao menos três do Antigo Testamento, sem nunca excluir a
Travessia do Mar Vermelho.
O modo como
se dá a leitura da palavra nesta celebração merece especial atenção. A
Escritura é lida, assim como pede a Tradição, meditando e orando. Após cada
leitura deve ser observado um momento de silêncio após as leituras e salmos e o
presidente resume toda a oração com a prece conclusiva.
Dois
momentos são importantes nesta parte da celebração: o canto do Glória, depois
da sétima leitura e o tão esperado Aleluia, que não é cantado durante toda a
Quaresma. O Evangelho é diferente em cada um dos três ciclos anuais de modo a
se ler os textos de todos os sinóticos referentes à ressurreição.
O terceiro
momento da Vigília pascal é a liturgia batismal. Como já foi dito
anteriormente, desde os primórdios a Igreja sempre relacionou a celebração do
Batismo com a noite da Páscoa. A teologia paulina do batismo como imersão na
morte de Cristo foi sendo assumida, assim como o aspecto do ressurgimento com
Cristo para a vida.
Os autores
do século II ainda não trazem a tipologia batismal fundada na relação Passagem
do Mar Vermelho e morte-ressurreição de Cristo. Para eles, é mais forte o
aspecto eclesial do batismo que o vê como banho nupcial, sacramento das núpcias
com Cristo. São Basílio justificará a celebração do Batismo na noite de Páscoa
afirmando que neste dia se celebra a ressurreição e que o Batismo é força de
ressurreição.
Temos que
perceber a relação entre o Batismo e a Paixão de Cristo. “Não devemos esquecer
que, sempre na catequese mais antiga, o binômio Batismo-Paixão estava acoplado
com o Batismo martírio, a ponto de serem chamados ‘dois batismos’: de água e de
sangue”.[25]
A liturgia batismal é colocada pelo Missal de
Paulo VI como abertura dos sacramentos pascais, depois da homilia. Na atual
estrutura da Vigília, essa liturgia tem a seguinte ordem: canto da ladainha de
todos os santo; benção da água batismal, ou, onde não há fonte, benção da água
lustral; celebração do batismo (se há batizandos); renovação das promessas
batismais.
Nesta parte
da celebração, o elemento de destaque é a água. O sacerdote a abençoa com uma
bela oração tira, principalmente, do sacramentário gelasiano. A benção da fonte
quer significar que a graça do Batismo vem do Espírito Santo e não da água como
elemento material. Símbolo disso é a tripla imersão do círio pascal na fonte,
acompanhada de uma oração epiclética.
A renovação
das promessas batismais é de muita importância nesta celebração. No entanto não
deve-se esquecer que é na participação na Eucaristia que se dá a plena adesão
batismal. Por isso não se deve insistir muito na importância desta promessas,
mas na participação na Eucaristia. Estas promessas se fazem no contexto da
celebração eucarística.
Chegamos,
por fim, ao coração da Vigília pascal: a celebração eucarística. De fato, “tudo
o que a Igreja realiza durante todo o ano litúrgico converge para esta missa e
parte desta missa pascal”.[26]
Trata-se da maior ação de graças que a Igreja pode elevar a Deus por ele ter
lhe dado seu filho morto e ressuscitado.
A Páscoa é o momento em que
teve início a verdadeira eucaristia. Por isso, o mistério da noite pascal
também concentra-se sobre a eucaristia, que Cristo não apresenta mais sozinho,
mas juntamente com a sua Igreja. Esta participa da Eucaristia, que inaugura a
grande solenidade de Pentecostes, na qual a Igreja remida dá ininterruptamente
graças ao Pai junto com o Filho.[27]
Quando a Vigília pascal se
estendia por toda a noite não havia celebração no Domingo de Páscoa. Aqui mais
uma vez vale salientar que a Eucaristia pascal é a celebrada na Vigília, tanto
que a celebrada no domingo é a “segunda missa da Páscoa”. Para Adam,
É provável que na maioria das
paróquias os que tomam parte nesta missa do dia não tenham participados das
outras celebrações do Tríduo Pascal. Por isso torna-se tanto mais necessário
incutir vivamente nos fiéis a consciência da unidade do mistério pascal de
salvação, isto é, a consciência da morte e ressurreição de Cristo como um todo,
tal como fazem o prefácio da Páscoa e a antífona de comunhão.[28]
Os possíveis esforços no sentido
de repetir algumas partes das celebrações pascais, em vez de ajudar, só
poderiam causar prejuízos à Vigília pascal.
A liturgia
da palavra deste dia contém o kérigma pascal. Celebra o evento pascal
como “dia de Cristo Senhor”. Além desse aspecto kerigmático as leituras trazem
também o apelo para que se assuma vida nova em Cristo ressuscitado. Tem-se um
discurso de Pedro como intérprete mais autorizado da pregação apostólica, um
apelo de Paulo para que se busquem as coisas do alto e o evento da ressurreição
testemunhado por Maria Madalena e dois dos apóstolos. A ressurreição significa
que “somente Cristo levou a termo a verdadeira vocação humana, porque é
Homem-Deus”.[29]
4 Indicações pastorais da Congregação para o Culto Divino
Nesta
última parte de nosso trabalho, limitamo-nos a reproduzir alguns trechos da
Carta circular da Congregação para o Culto Divino, preparação e celebração
das festas pascais,[30]
de 16 de janeiro de 1988. Nesta carta, intitulada Paschalis
Sollemnitatis, a Congregação dá orientações gerais para estas celebrações.
Cada conferência episcopal pode fazer alterações naquilo que lhe compete, assim
como os ordinários dentro de suas competências.
Em relação
ao Tríduo, a carta traz os seguintes elementos:
A Igreja celebra todos
os anos os grandes mistérios da redenção humana, desde a missa vespertina da
Quinta-feira “In Cena Domini” até às vésperas do domingo da ressurreição. Este
espaço de tempo é justamente chamado o “tríduo do crucificado, do sepultado e
do ressuscitado” e também tríduo pascal, porque com a sua celebração se torna
presente e se cumpre o mistério da Páscoa, isto é, a passagem do Senhor deste
mundo ao Pai. Com a celebração deste mistério, por meio dos sinais litúrgicos e
sacramentais, associa-se em íntima comunhão com Cristo, seu Esposo (Paschalis Sollemnitatis, 38).
Para o desenvolvimento
conveniente das celebrações do tríduo pascal, requer-se um suficiente número de
ministros e de ajudantes, que devem ser diligentemente instruídos sobre o que
deverão fazer. Os pastores cuidem de explicar aos fiéis, do melhor modo
possível, o significado e a estrutura dos ritos das celebrações, e de os
preparar para uma participação ativa e frutuosa (Idem, n. 41).
É muito conveniente que as pequenas comunidades
religiosas, quer clericais, quer não, e as outras comunidades laicais
participem nas celebrações do tríduo pascal nas igrejas maiores. De igual modo,
quando em algum lugar é insuficiente o número dos participantes, dos ajudantes
e dos cantores, as celebrações do tríduo pascal sejam omitidas e os fieis
reúnam-se noutra igreja maior (Idem, n. 43).
A fim de que os alunos dos seminários possam “viver o
mistério pascal de Cristo, de modo que saibam iniciar nele o povo que lhes será
confiado”, é necessário que recebam uma plena e completa formação litúrgica. É
muito oportuno que os alunos, durante os anos da sua preparação no seminário,
façam experiência das formas mais ricas de celebração das festas pascais,
especialmente daquelas presididas pelo bispo (Idem, id.).
4.1 Missa vespertina na Ceia do Senhor
Toda a atenção da alma deve estar voltada para os
mistérios que, sobretudo nesta missa, são recordados, isto é, a instituição da
eucaristia, a instituição da ordem sacerdotal e o mandamento do Senhor sobre a
caridade fraterna: tudo isso deve ser explicado na homilia (Paschalis
Sollemnitatis, n. 45)
Segundo antiquíssima tradição da Igreja, neste dia são
proibidas todas as missas sem o povo (Idem, n. 47).
Antes da celebração, o tabernáculo deve estar vazio. As
hóstias para a comunhão dos fiéis devem ser consagradas na mesma celebração da
missa. Consagrem-se nesta missa hóstias em quantidade suficiente para este dia
e para o dia seguinte (Idem, n. 48).
O lava-pés que, por tradição, é feito nestes dias a
alguns homens escolhidos, significa o serviço e a caridade de Cristo, que veio
“não para servir, mas para servir”. Convém que esta tradição seja conservada e
explicada no seu significado próprio” (Idem, n. 51).
Concluída a oração após a comunhão, forma-se a procissão
que, passando pela igreja, acompanha o Santíssimo Sacramento ao lugar da
reposição. (...) A procissão e a reposição do Santíssimo Sacramento não podem
ser feitas nas igrejas em que na Sexta-feira Santa não se celebra a paixão do
Senhor (Idem, n. 54).
O sacramento seja conservado num tabernáculo fechado.
Nunca se pode fazer a exposição com o ostensório. O tabernáculo ou o cibório
não deve ter a forma de um sepulcro (Idem, n. 55).
Concluída a missa é desnudado o altar da celebração.
Convém cobrir as cruzes da igreja com um véu de cor vermelha ou roxa, a não ser
que já tenham sido veladas no sábado antes do V domingo da Quaresma. Não se
podem acender velas ou lâmpadas diante das imagens dos santos (Idem, n. 57).
4.2 Celebração da Sexta-feira Santa
A Igreja, seguindo uma antiquíssima tradição, neste dia
não celebra a eucaristia; a sagrada Comunhão é distribuída aos fiéis só durante
a celebração da paixão do Senhor; aos doentes, impossibilitados de participar
desta celebração, pode-se levar a comunhão a qualquer hora do dia (Paschalis
Sollemnitatis, n. 59).
Está proibido celebrar neste dia qualquer sacramento,
exceto os da Penitência e da Unção dos Enfermos (Idem, n. 61).
A celebração da paixão do Senhor deve ser realizada
depois do meio-dia, especialmente pelas três horas da tarde. Por razões
pastorais pode-se escolher outra hora mais conveniente, para que os fiéis
possam reunir-se com mais facilidade: por exemplo, desde o meio-dia até o
entardecer, mas nunca depois das vinte e uma horas (Idem, n. 63).
O sacerdote e os ministros, feita a reverência ao altar,
prostram-se: esta prostração, que é um rito próprio deste dia, seja conservada
diligentemente, pois significa não só a humilhação do “homem terreno”, mas
também a tristeza e a dor da Igreja (Idem, n. 65).
A oração universal deve ser feita segundo o texto e a
forma transmitidos pela antiguidade, com toda a amplitude de intenções, que
expressam o valor universal da paixão de Cristo, pregado na cruz para a
salvação do mundo inteiro (Idem, n. 67).
Apresente-se a cruz à adoração de cada um dos fiéis,
porque a adoração pessoal da cruz é um elemento muito importante desta
celebração. No caso de uma assembleia muito numerosa, use-se o rito da adoração
feita contemporaneamente por todos. Use-se uma única cruz para a adoração, tal
como o requer a verdade do sinal (Idem, n. 69).
Pela sua importância pastoral, sejam valorizados os pios
exercícios, como a Via-sacra, as procissões da paixão e a memória das dores da
bem-aventurada Virgem Maria. Os textos e os cânticos desses pios exercícios
correspondam ao espírito litúrgico deste dia. O horário desses pios exercícios
sejam de tal modo dispostos, que apareça claro que a ação litúrgica, por sua
mesma natureza, está acima dos pios exercícios (Idem, n. 72).
4.3 O Sábado Santo
Durante o Sábado Santo a Igreja permanece junto do
sepulcro do Senhor, meditando a sua paixão e morte, a sua descida aos infernos,
e esperando na oração e no jejum a sua ressurreição. Recomenda-se com
insistência a celebração do Ofício das Leituras e das laudes com a participação
do povo (Paschalis Sollemnitatis, n. 73).
Neste dia a Igreja abstém-se absolutamente do sacrifício
da missa. A sagrada Comunhão só pode ser dada como viático. Não se conceda a
celebração de matrimônios nem a administração de outros sacramentos, exceto os
da Penitência e a Unção dos Enfermos (Idem, n. 75).
4.4 Celebração da Vigília pascal
Segundo uma antiquíssima tradição, esta noite é “em honra
do Senhor”, e a vigília que nela se celebra, comemorando a noite santa em que o
Senhor ressuscitou, deve ser considerada como “mãe de todas as santas vigílias”
(Paschalis Sollemnitatis, n. 77).
“Toda a Vigília pascal seja celebrada durante a noite, de
modo que não comece antes do anoitecer e sempre termine antes da aurora de
domingo”. Esta regra deve ser interpretada estritamente (Idem, n. 78).
Na medida em que for possível, prepare-se fora da igreja,
em lugar conveniente, o braseiro para a benção do fogo novo, cuja chama deve
ser tal que dissipe as trevas e ilumine a noite (Idem, n. 82).
Prepare-se o círio pascal que, no respeito da veracidade
do sinal, “deve ser de cera, novo cada ano, único, relativamente grande, nunca
artificial, para poder recordar que Cristo é a luz do mundo” (idem, id.).
O renovado Ordo da Vigília compreende sete leituras do
Antigo Testamento, tomadas dos livros da lei e dos profetas, já utilizadas com
frequência nas antigas tradições litúrgicas tanto do Oriente como do Ocidente;
e duas leituras do Novo Testamento, tomadas das cartas dos apóstolos e do
Evangelho. Desta maneira, a Igreja “começando por Moisés e seguindo pelos
profetas”, interpreta o mistério pascal de Cristo. Portanto, na medida em que
for possível, leiam-se todas as leituras de maneira que se respeite completamente
a natureza da Vigília pascal, que exige uma certa duração (idem, n. 85).
A terceira parte da Vigília é constituída pela liturgia
batismal. A Páscoa de Cristo e nossa é agora celebrada no sacramento. Isto pode
ser expresso de maneira mais completa nas igrejas que têm a fonte batismal, e
sobretudo quanto tem lugar a iniciação cristã dos adultos ou, pelo menos, o
batismo de crianças (Idem, n. 88).
Recomenda-se não celebrar apressadamente a liturgia
eucarística; é muito conveniente que todos os ritos e as palavras que os
acompanham alcancem toda a sua força expressiva (Idem, n. 91).
4.5 O dia da Páscoa
A missa do dia da Páscoa deve ser celebrada com grande
solenidade. Em lugar do ato penitencial, é muito conveniente fazer a aspersão
com a água benzida durante a celebração da Vigília (Paschalis
Sollemnitatis, n. 97).
Conserve-se, onde ainda está em vigor, ou, segundo a
oportunidade, instaure-se a tradição de celebrar as vésperas batismais do dia
da Páscoa, durante as quais ao canto dos salmos se faz a procissão à fonte (Idem,
n. 98).
[1]
Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o Calendário, n. 18 em Missal Romano,
São Paulo: Paulus, 2012, p. 103-104.
[2]
ALIAGA, E. O tríduo pascal em BORÓBIO, D. (org), A celebração na Igreja. São
Paulo: Edições Loyola, 2000, p. 94.
[3] Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o
Calendário, n. 18 em Missal Romano, São Paulo: Paulus, 2012, p. 104.
[4]
BERGAMINI, A., Cristo, festa da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 315-316.
[5]
ALIAGA, E. op. cit., p. 95.
[6]
Haggada’ pascal 2, 8-10: Constituição do Rabi Gamaliel em CANTALAMESSA, R., La
Pasqua nella Chiesa antica, Turim, 1978, p. 11-13.
[7]
ALIAGA, E. op. cit., p. 97.
[8]
ALIAGA, E. op. cit., p. 97-98.
[9]
ADAM, A., O ano litúrgico: sua história e seu significado segundo a renovação
litúrgica. São Paulo: Edições Paulinas, 1982, p. 59.
[10] BERGAMINI, op. cit., p. 306.
[11]
Idem, id.
[12]
Idem, p. 307.
[13] Idem,
p. 316.
[14]
Idem, p. 320-321.
[15] ADAM, op. cit., p. 74.
[16] BERGAMINI, op. cit., p. 335.
[17] ALIOGA, op. cit., p. 109.
[18]
Hipólito de Roma, Traditio apostolica, 33 em Bergamini, op. cit., p.
337, nota 10.
[19] BALTHASAR, H. U., loc. cit., p. 316 em BERGAMINI,
A., op. Cit., p. 343.
[20] Idem, id.
[21] DUQUOC, C., Cristologia, Tomo II, Il
Messia, cap. I, 4, Discesa agli inferni, Queriniana, Brescia, 1972, p. 371 em
BERGAMINI, op. Cit., p. 344.
[22]
BERGAMINI, op. cit., p. 348.
[23]
Idem, p. 356.
[24]
ADAM, op. cit., p. 79.
[25]
BERGAMINI, op. cit., p. 367.
[26]
Idem, p. 369.
[27] CASEL, O., Il mistério
dell’Ecclesia, Cittá Nuova, Roma, 1965, p. 348 em Idem, id.
[28]
ADAM, op. cit., p. 85.
[29]
BERGAMINI, op. cit., p. 375.
[30]
http: http://www.presbiteros.com.br/site/paschalis-sollemnitatis-a-preparacao-e-celebracao-das-festas-pascais/
Acesso em 30/03/2015.