A melhor catequese: uma liturgia bem celebrada
Elementos para reflexão pessoal e em grupos
Frei
José Ariovaldo da Silva, OFM
Sendo
a liturgia uma preciosa “fonte da Catequese”, um “lugar privilegiado de
educação da fé”, como proclama o Diretório Nacional de Catequese, ou ainda,
sendo ela “a santa mistagogia permanente da Igreja”, como a define o teólogo
liturgista Tommaso Federici , isso deve aparecer na própria maneira como é
celebrada. Caso contrário, é como se os canais ficassem entupidos e a fonte
estagnada. A beleza encantadora e contagiante do mistério escondido nos ritos e
nos símbolos deve poder expressar-se com toda a sua pujança, naturalmente
educadora, na maneira como os ritos e símbolos são trabalhados.
A
harmonia dos ritos, das vestes litúrgicas, da decoração e do espaço litúrgico,
tudo isso educa para o sentido do mistério e sua repercussão para a vida
concreta. Igualmente importante “é a atenção a todas as formas de linguagem
previstas pela liturgia: palavra e canto, gestos e silêncios, movimento do
corpo, cores litúrgicas dos paramentos. Com efeito, a liturgia, por sua
natureza, possui tal variedade de níveis de comunicação que lhe permitem
cativar o ser humano na sua totalidade”.
O
Diretório Nacional de Catequese fala da necessidade de “liturgias vivas e
dinâmicas”: Vivas, porque expressam a vida de Jesus mergulhada nos
acontecimentos de nossa vida, e vice-versa; dinâmicas, porque celebradas na
força (dynamis) do Espírito, isto é, com espiritualidade.
Espaço litúrgico
O
próprio espaço litúrgico , quando, pela beleza de sua forma arquitetônica, pela
harmonia de sua disposição interna (altar, mesa da Palavra, espaço da assembleia,
cadeira da presidência, fonte batismal etc.) e sua iconografia, tudo em “nobre
simplicidade” (cf. SC 34), quando assim se cria o ambiente próprio para os
fiéis se sentirem de fato “igreja”, assembleia celebrante, pedras vivas do
templo (cf. 1Pd 2,5), e poderem participar ativamente da celebração dos
mistérios da fé, especialmente a Eucaristia, então o espaço goza de
significativa força catequética: o espaço educa a uma fé que se traduz em
espiritualidade comunitária. Para tanto, como orientam as Diretrizes Gerais
para a ação Evangelizadora no Brasil (2008-1010), da CNBB, “o espaço
(litúrgico) deve ser funcional, favorecer o encontro entre as pessoas e o
encontro com Deus, e ser sinal do mistério que ali se celebra”. Sua arte,
arquitetura, disposição e ornamentação a serviço da liturgia “contribuem para
que a Igreja celebre e se manifeste como povo sacerdotal, ministerial,
congregado e convocado pelo Senhor Jesus. A beleza, a dignidade e simplicidade
do espaço devem estar em sintonia com a beleza do Mistério pascal de Cristo” .
Se há um “lugar” profundamente modelador de todo um imaginário, uma identidade,
uma interioridade e postura cristãs de uma comunidade é o espaço em que ela
frequenta. Dependendo do espaço litúrgico, assim vai ser em grande parte a fé e
espiritualidade da comunidade: mais ou menos comprometida com o projeto de
Deus, mais ou menos alienada dele; mais ou menos unida neste projeto, mais ou
menos dividida por interesses egoístas.
Música litúrgica
O
mesmo vale para o canto e música, criteriosamente escolhidos, correspondendo ao
sentido do mistério celebrado, às várias partes do rito e aos diferentes tempos
litúrgicos. Como parte integrante e significativa da ação ritual, “ela tem a
especial capacidade de atingir os corações e, como rito, grande eficácia
pedagógica para levá-los a penetrar no mistério celebrado. Para isso, ela
precisa estar intimamente vinculada ao rito, ou seja, ao momento celebrativo e
ao tempo litúrgico. Vale dizer, sua função ritual deve estar organicamente
inserida no contexto da grande tradição bíblico-litúrgica da Igreja, bem como
da vida e da cultura da comunidade celebrante”. Assim, expressando em vibrações
sonoras o mistério que a liturgia celebra, a música verdadeiramente litúrgica
leva o coração da comunidade a bater no compasso do coração amoroso de Deus e,
assim, faz com que todos(as) se juntem e se unam no grande mutirão cristão em
favor da verdade e da vida, da santidade e da graça, do amor e da paz.
Proclamação da Palavra de Deus
A
proclamação da Palavra de Deus na liturgia, quando feita por leitores bem
preparados e com a consciência de que, “quando na igreja se lê a Sagrada
Escritura, é o próprio Deus que fala ao seu povo, é Cristo presente na sua
palavra que anuncia o seu Evangelho” , tal proclamação tem um imenso poder
educativo da fé, pois faz com que a assembleia, ao ouvir a Palavra, viva uma
profunda experiência do mistério de Deus. A maneira de proclamar a Palavra é o
que mais move e convence. Como ensina a Igreja: “O que mais contribui para uma
adequada comunicação da palavra de Deus à assembleia por meio das leituras é a
própria maneira de proclamar dos leitores, que devem fazê-lo em voz alta e
clara, tendo conhecimento do que leem”. Por quê? Porque, assim, fazemos a
experiência de ouvir não mais um texto apenas, mas Alguém em pessoa, um Amigo
que nos fala, nos confia seu segredo.
Homilia
O
mesmo vale, com certeza, para a homilia como parte integrante a liturgia. Na
homilia, sobretudo na maneira espiritual e orante com que é proferida,
explicando a palavra de Deus e atualizando-a para o nosso agora (na celebração
e na vida), o povo tem o direito e dever de sentir a voz do próprio Deus
ecoando em seus ouvidos e corações. Por isso, Bento XVI faz este apelo aos
homiliastas: “de modo particular, peço aos ministros para fazerem com que a
homilia coloque a Palavra de Deus proclamada em estreita relação com a
celebração sacramental e com a vida da comunidade, de tal modo que a Palavra de
Deus seja realmente apoio e vida da Igreja. Tenha-se presente, portanto, a
finalidade catequética e exortativa da homilia”. “Finalidade catequética e
exortativa”, entendido no contexto da função catequética da própria liturgia
enquanto celebração. Pois a homilia é uma ação litúrgica, uma forma de celebrar
a liturgia.
Gestos, símbolos, ações simbólicas
Todos
os gestos, símbolos e ações simbólicas na celebração litúrgica quando
‘trabalhados’ e realizados conscientemente, com autenticidade, de forma
verdadeira, com amor, com espiritualidade e bom gosto, gozam de alto poder
comunicativo com o mistério celebrado e, por isso mesmo, contribuem para uma
viva experiência do mistério: educam a fé. Assim, cada gesto, cada movimento,
cada ação, tudo pode contribuir para a educação e crescimento na fé. Da boa ou
má qualidade das celebrações litúrgicas depende em grande parte a boa ou má
qualidade da vivência da fé cristã.
Presidência litúrgica
Enfim,
uma das mais significativas forças mistagógicas da arte de celebrar pode
residir no exercício da presidência da liturgia, sobretudo a Eucaristia.
Presidir a liturgia significa estar diante da assembleia como sinal, ou, como
dizem nossos irmãos orientais, como “ícone” do Cristo bom Pastor. Bom Pastor
que congrega e une a todos num só corpo em torno da mesa da Palavra e da
Eucaristia; bom Pastor que comunica não “palavras” mas a Palavra (Cristo vivo):
proclamando o Evangelho, distribuindo o Pão da vida; bom Pastor que, unido à assembleia
e em nome dela se comunica com o Pai na comunhão do Espírito: louvando,
agradecendo, intercedendo, ofertando. Valendo também para os demais sacramentos
e sacramentais, isso aparece quando a presidência é exercida de maneira
simples, serena e alegre (mas sem espalhafatos), de maneira convicta e orante
(mas sem ser piegas), de forma verdadeira. No modo de o(a) presidente proclamar
o Evangelho e fazer a homilia (como quem, de fato, anuncia uma boa notícia); no
modo de distribuir o Pão da vida (como quem, de fato, junto também se entrega à
pessoa que recebe); no modo de proclamar as orações (como quem, de fato, se
dirige a Deus em nome de todos); no modo de saudar a assembleia (como quem de
fato faz a ponte entre Deus e seu povo); no modo de impor as mãos, ungir,
abençoar, derramar água etc. (como quem de fato se coloca como instrumento de
Deus), a assembleia pode experimentar uma profunda comunhão com o mistério
pascal e, assim, ter a chance de crescer enormemente na fé. O tom de voz, o
olhar, o jeito de andar, a postura do corpo, os gestos das mãos e dos braços –
ao se dirigir à assembleia e ao se dirigir a Deus -, podem expressar bem a
qualidade espiritual e a força catequética da arte de presidir a liturgia. O
formalismo frio, a rotina cansativa, a autoritarismo opressor e, no outro
extremo, o estilo show man, prestam um triste desserviço à educação da fé pelo
rito, pois bloqueiam ou desviam nossa atenção do essencial, que é a presença do
mistério de Cristo.
Concluindo
Para
terminar, podemos dizer: Não é à toa que Bento XVI, fazendo-se porta-voz do
Sínodo sobre a Eucaristia, afirma categoricamente que “a melhor catequese sobre
a Eucaristia é a própria Eucaristia bem celebrada”; o que vale, com certeza,
também para os outros sacramentos e toda a vida litúrgica. Se assim se proceder
nas nossas comunidades eclesiais, então a liturgia contribuirá enormemente para
a formação da personalidade cristã e, consequentemente, para a construção de
uma sociedade justa e fraterna.
Enfim,
vão aqui algumas perguntas para reflexão pessoal e em grupos: O que é uma
liturgia bem celebrada? Em que sentido uma liturgia bem celebrada é a melhor
catequese? As celebrações litúrgicas de sua comunidade contribuem eficazmente
para a educação da fé? Se sim, por quê? Se não, por quê? O que está precisado
melhorar nas celebrações litúrgicas de sua comunidade para serem de fato lugar
privilegiado de educação da fé? Por quê?
______________________
Cf.
CNBB. Diretório Nacional de Catequese (= Documentos da CNBB 84). São Paulo,
Paulinas, 2006, n. 115-122, p. 109-116,
FEDERICI
Tommaso. La santa mistagogia permanente de la Iglesia. In: Phase, Barcelona, n.
193, 1993, p. 9-34.
Cf.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Catitatis” (= A Voz do Papa 190).
São Paulo, Paulinas, 2007, n. 38-65, p. 64-65; ALDAZÁBAL José. Gestos e
símbolos. São
Paulo, Loyola, 2005; PARÉS Xavier. Ars celebrandi. La mejor catequesis, una
buena celebración. In: Phase, Barcelona, n. 274, 2006, p. 411-418; BIANCHI
Enzo. Ars celebrandi. L’eucaristia, fonte di spiritualità del presbítero. In:
La Rivista del clero italiano n. 5, 2007, p. 325-339. Resumo: In: La Maison-Dieu, Paris, n. 253, 2008/1, p.
116-117.
BENTO
XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 40.
Diretório
Nacional de Catequese, n. 302c.
Cf.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 41.; SILVA José
Ariovaldo da. Os elementos fundamentais do espaço litúrgico para a celebração
da missa: sentido teológico; orientações pastorais (= Celebrar a fé e a vida,
9). São
Paulo: Paulus, 2006; Cf. ALDAZÁBAL José. El espacio de la iglesia y su
pedagogia mistagógica. In: Phase,
Barcelona, n. 193, 1993, p. 53-68; ID. O edifício da Igreja. In: Gestos e
símbolos. Op. cit., p. 283-290;
CARPANEDO Penha. Mistagogia do espaço
litúrgico. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 205, 2008, p. 4-7.
CNBB.
Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil (2008-2010) (=
Documentos da CNBB 87). São Paulo, Paulinas, 2008, n. 77, p. 66. Daí resulta
ser de fundamental importância “dar especial atenção à formação na área da arte
sacra e do espaço litúrgico, tanto nos seminários quanto entre os profissionais
das artes e construção civil, para que os espaços correspondam à dimensão
simbólica e funcional da liturgia. É urgente, também, nos regionais e nas
dioceses a implementação das comissões de espaço litúrgico, compostas,
preferencialmente, por especialistas nas diferentes áreas (artistas, arquitetos,
engenheiros, liturgistas)” (ibid.).
Cf.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 42; FONSECA
Joaquim (Org.). Princípios teológicos, litúrgicos, pastorais e estéticos. In:
Revista de Liturgia, São Paulo, n. 194, p. 21-23.
CNBB.
Diretrizes... Op. cit., n. 76. Daí ser “urgente atentar para a qualidade de
nosso cantar litúrgico, para a importância dos vários ministérios
litúrgico-musicais e, mais que urgente, para a formação e capacitação de todos,
especialmente das pessoas e equipes que os exercem” (ibid.).
Cf.
Prefácio da Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo, Rei do Universo.
Cf.
DEISS Lucien. A Palavra de Deus celebrada. Petrópolis, Vozes, 1998;
FERNANDES
Veronice. O diálogo entre os parceiros da Aliança. A palavra de Deus a partir
da Sacrosanctum Concilium. In: Revista de Liturgia, São Paulo, n. 179, 2003, p.
4-9; GONZÁLEZ GOUGIL Ramiro. La proclamación litúrgica de la Escritura. Sus principios
teológicos. In: Phase, Barcelona, 2008/2, p. 125-142.
Cf.
BENTO XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 45, citando
Instrução Geral sobre o Missal Romano, n. 29.
Introdução
Geral ao Elenco das Leituras da Missa (Lecionário), n. 14.
Cf. COFFY Robert. La celebración, lugar de la educación
de la fe. In: Phase, Barcelona, n. 118, 1980, p. 273-274.
Cf. DEISS Lucien. A homilia. In: A Palavra de Deus celebrada. Op. cit., p. 75-108;
BECKHÄUSER Alberto. A homilia á luz da Sagrada Liturgia. In: HACKMANN Pe.
Geraldo L. B. (Org.). Sub umbris fideliter. Festschrift
em homenagem a Frei Boaventura Kloppenburg. Porto Alegre, EDIPUCRS, 1999, p.
11-39; SILVA José A. Sentir Deus falando. Um direito do povo, um desafio para o
homiliasta. In: Mundo e Missão, São Paulo, n. 83, 2004, p. 34-35; ALDAZÁBAL
Jose. La
homilia, educadora de la fe. In: Phase, Barcelona, n.126, 1981, p. 447-459.
BENTO
XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 46.
Como:
acolher quem chega, reunir-se em assembléia, andar, caminhar em procissão,
dirigir-se ao altar, voltar-se à assembléia, tocar um instrumento (violão,
teclado, órgão, acordeão, violino, atabaque etc.), olhar, saudar a assembléia,
cantar salmos e cânticos espirituais, proclamar uma leitura, proclamar uma
oração, ouvir, falar, silenciar, abençoar, ungir, impor as mãos, abençoar,
mergulhar na água, derramar água, o gesto de “tocar”, lavar as mãos, lavar os
pés, acolher as ofertas, dar o abraço da paz, partir o pão da vida, distribuir
a comunhão, receber a comunhão na mão, comer e beber juntos, o beijo, o
sinal-da-cruz, a linguagem das mãos, os gestos de humildade (bater no peito,
inclinações, genuflexão, rezar de joelhos, prostração, o gesto e a atitude
interior), o óleo, a água, a luz, as vestes, as imagens, as cores, as flores, o
fogo, o incenso, a água, as cinzas, o jejum, os sinos, o pão e vinho na
Eucaristia, a água e o vinho no cálice, as posturas do corpo etc....
ALDAZÁBAL
José. Elogio da estética. In: Gestos e símbolos. Op. cit., p. 292-300.
Cf.
SMOLARSKI Dennis C. Como no decir la misa (= Dossiers CPL 41), Centre de
Pastoral Litúrgica, Barcelona 1989; SORRENTINO Antonio. Las oraciones presidenciales. In:
Actualidad Litúrgica, México, n. 148, 1999, p. 7-11; ID. L’arte de presiedere le celebrazioni liturgiche.
Suggerimenti ai sacerdoti, San Paolo, Cinisello Balsamo (Milão) 1997;
BECKHÄUSER Alberto. Comunicação litúrgica. Presidência, homilia, meios
eletrônicos. Petrópolis, Vozes, 2003;
ALDAZÁBAL José. A postura e os gestos do
presidente. In. Gestos e símbolos. Op. cit., p. 279-82; DE PEDRO Aquilino de. El arte de presidir y
animar la celebración In: Phase 172 (1989), p. 317-320; INIESTA Alberto. El
arte de presidir la asamblea. In: VV.AA., Presidir la Eucaristia (= Cuadernos
Phase 19), Barcelona, Centre de Pastoral Litúrgica, 1990, p. 57-74; BUYST Ione.
Presidir a celebração do dia do Senhor
(Coleção Rede Celebra 6). São Paulo, Paulinas, 2004, p. 11-32;
Nas
saudações, na proclamação da Palavra, na homilia, na distribuição da comunhão,
nas monições etc.
Nas
orações, sobretudo na oração eucarística e outras orações de bênção.
BENTO
XVI. Instrução pós-sinodal “Sacramentum Caritatis”, n. 64.
ALDAZÁBAL José. La liturgia construye la persoalidad
cristiana. In: Phase, Barcelona, n.
209, 199, p. 411-417.
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