quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

A reforma do Ano Litúrgico a partir do Concílio Vaticano II (parte IV)


Santos e santas no culto da Igreja ao longo do ano litúrgico


A Igreja inseriu também no ciclo anual a memória dos mártires e outros santos, os quais, tendo pela graça multiforme de Deus atingido a perfeição e alcançado a salvação eterna, cantam hoje a Deus no céu o louvor perfeito e intercedem por nós. Ao celebrar o “dies natalis”(dia da morte) dos santos, proclama o mistério pascal realizado na paixão e glorificação deles com Cristo, propõe aos fiéis os seus exemplos, que conduzem os homens ao Pai por Cristo, e implora pelos seus méritos as bênçãos de Deus (SC 104).

A Igreja, segundo a tradição, venera os santos e as suas relíquias autênticas, bem como as suas imagens. É que as festas dos santos proclamam as grandes obras de Cristo nos seus servos e oferecem aos fiéis os bons exemplos a imitar. Para que as festas dos santos não prevaleçam sobre as festas que recordam os mistérios da salvação, muitas delas ficarão a ser celebradas só por uma igreja particular ou nação ou família religiosa, estendendo-se apenas a toda a Igreja as que festejam santos de inegável importância universal (SC 111).

ASacrosanctum Concilium dedica dois números ao culto e as festas dos santos. São os números 104 e 111. Segundo Julián L. Martín: “O culto litúrgico dos santos começou historicamente com a veneração dos mártires, uma forma de culto aos defuntos assumido pelos cristãos, mas relacionado desde os primeiros tempos com a morte do Senhor e com a confissão de seu senhorio pascal.”[6]

O primeiro culto aos santos a se desenvolver na Igreja foi o culto aos mártires. Para Bergamini: “Este culto não é senão um aspecto do mistério pascal. Se os mártires, com seus sofrimentos, testemunharam Cristo, com maior razão é Cristo que neles testemunhou o Pai.[7] O culto dos mártires inicialmente era somente local. Com o tempo passou-se para outras Igrejas e posteriormente estendeu-se para a Igreja Universal.

Com o passar dos séculos, foi-se acrescentando outros santos ao calendário litúrgico. Porém, foi-se sobrecarregando o calendário litúrgico com comemorações dos santos a tal ponto de obscurecer a celebração do mistério do Senhor no ano litúrgico. Desde modo: “Muitos domingos haviam sido suprimidos, pois seus lugares foram ocupados por celebrações de santos.”[8]Após tentativas fracassadas de restabelecer a primazia do mistério do Senhor sobre as festas dos santos, Pio X, mediante o Motu Proprio Abhinc duos annos, restaura a prevalência dos domingos sobre as festas dos santos.

Esta restauração tem seu coroamento no Concílio Vaticano II. Ele restabelece a centralidade do mistério pascal de Cristo sobre as demais festas. Conforme Auge: “O ano litúrgico celebra uma única realidade, o mistério pascal de Cristo. [...] A Igreja ao celebrar cada ano o‘dia natalis’ dos mártires e dos santos, celebra o ‘realizar-se’ neles do mistério pascal do Senhor.”[9] O santo participa da plenitude do mistério pascal de Cristo, e sua santidade existe em função desta participação.

Ao venerar os santos, a Igreja reconhece e proclama a graça vitoriosa de Cristo, único salvador e redentor dos homens. Ela rende graças ao Pai pela misericórdia que nos é concedida no Cristo e se torna presente e atuante em alguns de seus membros e, consequentemente, em todo o corpo da Igreja.[10]

No culto dos mártires e dos outros santos (cf. SC 104), prestando neles culto a Deus, podemos distinguir três aspectos:

1. A Igreja dá graças a Deus, admirável nos seus santos. Celebrando seu natalício (dia da morte), a Igreja prega o mistério pascal de Cristo;

2. Os santos são vistos como modelo a serem imitados. A graça divina recebida e vivida pelos santos os torna sinal e testemunho de fé, nos servindo de modelo a ser seguido;

3. Por seus méritos e presença diante de Deus, os santos tornam-se nossos intercessores junto a Deus.

 O número 111 da Sacrosanctum Concilium restabelece a centralidade e a primazia do mistério pascal de Cristo sobre as festas dos santos. Para isso, a Igreja vai estabelecer critério para a permanência de alguns santos no calendário universal do ano litúrgico, bem como, para que outros santos permaneçam somente nas celebrações locais, seja numa Igreja particular (diocese), nação ou família religiosa. Permanecem no calendário litúrgico para toda a Igreja somente os santos de “inegável importância universal” (cf. SC 111).

Todavia, não contou apenas o critério da universalidade geográfica; também se levou em conta a universalidade da vida cristã, em virtude da qual deviam estar representados todos os estados de vida e toda a variedade de expressões e realizações das virtudes e da santidade cristãs, como: a ação missionária e caritativa, o apostolado dos leigos, a vida contemplativa, a ascese, etc. Igualmente a universalidade no tempo, em virtude da qual foram incorporados no calendário romano representantes de todos os séculos.[11]

[6]MARTÍN, Julián López. A liturgia da Igreja..., p. 406.
[7]BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja: o ano litúrgico. São Paulo: Paulinas, 1994, p. 480.
[8] MORA, Alfonso. Os santos no ano litúrgico. In: CELAM. Manual de liturgia IV. São Paulo: Paulus, 2007, p. 95.
[9]AUGÉ, Matias. Liturgia: história, celebração, teologia, espiritualidade. São Paulo: Ave Maria, 1996, p. 326.
[10]ADAM, Adolf. O ano litúrgico: sua história e seu significado segundo a renovação litúrgica. São Paulo: Paulinas, 1982, p. 194.
[11] MORA, Alfonso. Os santos no ano litúrgico... p. 98.


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